A Universidade do Vale do Taquari (Univates), por meio de pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) assinam um verbete na Reference Collection in Life Sciences, da Elsevier, uma das mais respeitadas editoras científicas do mundo.
O texto, intitulado “Mass Extinctions and the Paleobotanical Record” (“Extinções em Massa e o Registro Paleobotânico”) é um dos capítulos obra Encyclopedia of Evolutionary Biology, e tem como propósito se consolidar como referência para o estudo das relações entre plantas fósseis e os grandes eventos de crise de biodiversidade ao longo da história da Terra. O resumo do material pode ser acessado aqui.
O trabalho reúne contribuições de quatro cientistas brasileiros: Isabela Degani-Schmidt, Rafael Spiekermann e André Jasper, todos da Univates, e William Vieira Gobo, vinculado ao Departamento de Paleontologia e Estratigrafia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ao Instituto Tecnológico de Paleoceanografia e Mudanças Climáticas (itt Oceaneon), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
A publicação representa a inserção da paleobotânica brasileira em uma plataforma global de conhecimento. A Elsevier, editora responsável por periódicos como The Lancet e Cell, compila em sua coleção de referência os verbetes que sintetizam, com rigor e profundidade, o estado da arte em diferentes áreas das ciências da vida. Estar presente nessa seleção significa colocar a produção científica do Brasil lado a lado com grandes centros internacionais.
Para a Univates, consolida sua projeção no campo das ciências ambientais e paleontológicas, reforçando a presença da universidade em debates contemporâneos sobre clima, biodiversidade e evolução da vida.
Extinções em massa e o papel das plantas na história da Terra
A narrativa das grandes extinções em massa é, geralmente, associada aos animais – em especial aos dinossauros, cuja extinção há cerca de 66 milhões de anos é emblemática. Entretanto, como ressaltam os autores do verbete, o registro paleobotânico revela que as plantas seguiram dinâmicas distintas: muitas vezes não acompanharam os mesmos ritmos de desaparecimento que a fauna, mas desenvolveram estratégias próprias de sobrevivência, migração e adaptação.
O verbete examina, em detalhe, as chamadas “Big Five” (As Grande Cinco) extinções em massa que marcaram a era Fanerozoica: Extinção do Ordoviciano Superior (LOME, há ~445 milhões de anos); Extinção do Devoniano Superior (LDME, há ~375 milhões de anos); Extinção do Permiano-Triássico (EPME, há ~252 milhões de anos) – a mais devastadora, responsável por eliminar cerca de 90% da vida marinha e 70% da terrestre; Extinção do Triássico-Jurássico (ETME, há ~201 milhões de anos); e Extinção do Cretáceo-Paleógeno (ECME, há ~66 milhões de anos).
As siglas LOME, LDME, EME, ETME e ECME significam, respectivamente:
LOME (Late Ordovician Mass Extinction), extinção em Massa do Ordoviciano Superior: ocorreu há cerca de 445 milhões de anos, associada a uma intensa glaciação que reduziu drasticamente o nível dos mares e alterou os habitats costeiros;
LDME (Late Devonian Mass Extinction), extinção em Massa do Devoniano Superior: aconteceu por volta de 375 milhões de anos atrás, afetando principalmente a vida marinha, possivelmente em razão de mudanças climáticas e da redução do oxigênio nos oceano;
EPME (End-Permian Mass Extinction), extinção em Massa do Final do Permiano: há aproximadamente 252 milhões de anos, foi o maior evento de extinção da história da Terra, eliminando cerca de 90% das espécies marinhas e 70% das terrestres; acredita-se que tenha sido causada por erupções vulcânicas gigantescas na Sibéria, que provocaram aquecimento global e acidificação dos oceano;
ETME (End-Triassic Mass Extinction),extinção em Massa do Final do Triássico: datada de cerca de 201 milhões de anos, marcou a transição para o Jurássico; pode ter sido provocada por intensa atividade vulcânica associada à fragmentação do supercontinente Pangeia;
ECME (End-Cretaceous Mass Extinction), extinção em Massa do Final do Cretáceo: ocorreu há cerca de 66 milhões de anos, famosa por ter levado ao desaparecimento dos dinossauros não avianos; está relacionada ao impacto de um grande asteroide na região de Chicxulub, no atual México, e às consequências climáticas globais desse evento.
A partir do registro fóssil, o texto mostra que plantas e animais nem sempre sucumbiram de forma sincronizada. Enquanto algumas linhagens animais desapareceram abruptamente, grupos vegetais apresentaram resiliência maior, migrando para áreas de refúgio ou sendo substituídos por grupos periféricos que ganharam relevância em cenários de crise climática e ecológica.
Esse olhar sobre a vegetação fóssil amplia o entendimento sobre o passado e também sobre o presente e o futuro pois, estudando como as plantas reagiram a aquecimentos globais anteriores, como no Máximo Térmico Paleoceno-Eoceno, é possível traçar paralelos com as mudanças ambientais que a humanidade enfrenta no século XXI. Assim, o texto conecta paleontologia, geologia, climatologia e ecologia, construindo um panorama integrado do passado profundo.
O reconhecimento por parte da Elsevier projeta a produção científica desses pesquisadores e de suas instituições em um patamar global. Para o Brasil, significa mostrar que a investigação paleobotânica acompanha e contribui para as discussões internacionais sobre biodiversidade, clima e evolução.
Confira abaixo da galeria a explicação para cada imagem (a legenda da imagem está no canto inferior direito de cada uma e corresponde ao número cuja explicação está abaixo da galeria)
Fig. 1.Comparação entre as grandes transições evolutivas de faunas e floras.
O gráfico mostra a sucessão de grandes grupos de animais marinhos e de plantas ao longo do tempo geológico. As linhas vermelhas verticais indicam os cinco principais eventos de extinção em massa dos oceanos, enquanto as linhas verdes marcam as grandes crises bióticas que afetaram as plantas no final do período Carbonífero e no meio do Permiano.A comparação ajuda a visualizar como os grandes eventos de transformação da vida na Terra afetaram tanto os ecossistemas marinhos quanto os terrestres.
Baseado em Cascales-Miñana e colaboradores (2018), com dados originais de Sepkoski (1981) e de Cleal e Cascales-Miñana (2014).
Fig. 2. As primeiras plantas terrestres: reconstruções do Siluriano e Devoniano.
Esta figura reúne representações das plantas mais antigas conhecidas, que viveram entre 430 e 360 milhões de anos atrás, quando a vegetação começou a conquistar o ambiente terrestre. Entre elas estão Cooksonia, uma das primeiras plantas com caules eretos, e Rhynia, preservada em detalhes excepcionais no famoso depósito de Rhynie Chert, na Escócia. No Brasil, destaca-se Cooksonia paranensis, encontrada na Bacia do Paraná, testemunho de um ambiente costeiro úmido do Devoniano inicial. Essas espécies ilustram o surgimento de estruturas vasculares e de uma diversidade de formas que prepararam o caminho para o estabelecimento das florestas primitivas.
Reconstruções baseadas em estudos de Kraft e Kva?ek (2017), Gerrienne et al. (2006), Edwards (1980), Wang et al. (2018), Libertín et al. (2024), Wang D. et al. (2019) e Beck (1962).
Fig. 3. Florestas tropicais do Carbonífero: o auge das plantas da Flora Paleofítica inicial.
Durante o período Carbonífero, há cerca de 320 milhões de anos, extensas florestas tropicais cobriam grandes áreas do planeta. Esta ilustração mostra parte dessa vegetação exuberante, com samambaias gigantes, licófitas e cavalinhas arborescentes, como Calamites e Lepidodendron. As plantas formavam pântanos que, com o passar de milhões de anos, dariam origem aos grandes depósitos de carvão que ainda hoje abastecem a indústria energética.
A diversidade de formas, como as sementes de Medullosa noei ou as folhas finamente recortadas de Sphenopteris, revela o dinamismo ecológico dessas antigas florestas. Baseado em pesquisas de Ohana et al. (1991), Taylor et al. (2009), Bek et al. (2008; 2009) e Stewart e Delevoryas (1956).
Fig. 4. As paisagens do Permiano: o declínio da antiga flora e o surgimento de novos grupos.
No final do Paleozóico, entre 299 e 252 milhões de anos atrás, o supercontinente Pangeia abrigava diferentes paisagens vegetais. Nas regiões que hoje correspondem à Índia, por exemplo, predominavam as florestas de Glossopteris, plantas com folhas largas e nervuras bem marcadas típicas dos ecossistemas gondwânicos.
Em outras partes do mundo, como na Rússia e na Alemanha, surgiam plantas como Psygmophyllum e Arthropitys, representando linhagens mais adaptadas a ambientes sazonais e secos. Essas transições antecederam a maior extinção em massa da história da Terra, no final do Permiano, que remodelou profundamente os ecossistemas terrestres. Com base em Nanda et al. (2025), Naugolnykh (2018), Rößler et al. (2012) e Taylor et al. (2009).
Fig. 7. O verde ressurge: plantas do Triássico e Jurássico.
Após a grande extinção do final do Permiano, a vida vegetal se diversificou novamente, dando origem a novas paisagens no Triássico e Jurássico.
Entre as espécies desse período estão as licófitas do gênero Pleuromeia, que dominaram ambientes costeiros e áridos, e as samambaias-semente do gênero Dicroidium, comuns tanto na Antártida quanto em outras regiões do antigo supercontinente Gondwana.
Outros grupos, como as Bennettitales, já apresentavam estruturas reprodutivas semelhantes a flores, prenunciando a evolução das angiospermas.
Essas reconstruções ilustram o florescimento das florestas mesofíticas que caracterizaram o Mesozoico inicial. Baseado em estudos de Zhang et al. (2020), Bomfleur et al. (2012), Wang Y.D. et al. (2008), Lozano-Carmona e Velasco-de León (2021) e Cariglino et al. (2018).
Fig. 8. Florestas jurássicas da Patagônia: os bosques dos dinossauros.
No início do Jurássico, há cerca de 190 milhões de anos, as paisagens da Patagônia argentina eram dominadas por coníferas como Austrohamia minuta, que formavam densas florestas sobre solos úmidos e vulcânicos. Essas florestas abrigavam samambaias gigantes e marattiópsidas, compondo ecossistemas complexos onde viveram dinossauros herbívoros como Leonerasaurus taquetrensis.
Mais tarde, no Jurássico médio, surgiram outras coníferas notáveis, como Araucaria mirabilis, cujos fósseis se preservaram de forma espetacular nos Bosques Petrificados de Santa Cruz. Com base em estudos de Bodnar e Escapa (2016), Escapa et al. (2008) e Falaschi et al. (2011).
Fig. 9. O florescimento das angiospermas: paisagens do Cretáceo.
Durante o Cretáceo, entre 145 e 66 milhões de anos atrás, ocorreu uma revolução silenciosa na vegetação terrestre: o surgimento das plantas com flores.
Espécies aquáticas primitivas como Callianthus dilae coexistiam com gimnospermas como Brachyphyllum obesum, enquanto formas mais complexas, como Araripia florifera, encontrada na Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil, revelam o início da diversificação das angiospermas.
Essas novas plantas passaram a dominar os ambientes fluviais e planícies aluviais, moldando ecossistemas que se assemelham, em parte, aos atuais.
Baseado em Wang et al. (2021), Li et al. (2025), Mohr e Eklund (2003), Batista et al. (2021) e Kva?ek et al. (2024).
Glossário
Confira a explicação de termos técnicos presentes na obra
Extinção em Massa: evento em que uma grande quantidade de espécies desaparece em um intervalo relativamente curto de tempo geológico.
Paleobotânica: área da paleontologia que estuda plantas fósseis.
Fanerozoico: eon geológico que abrange os últimos 541 milhões de anos, marcado pela grande diversidade de formas de vida complexas.
Registro Fóssil: conjunto de evidências preservadas em rochas sobre organismos que viveram no passado.
Intemperismo Químico: processo de desgaste das rochas provocado por reações químicas, muitas vezes intensificado pelas raízes das plantas.
Refúgio (ou Refúgio Ecológico): região onde espécies conseguem sobreviver durante períodos de mudanças ambientais extremas.
Máximo Térmico Paleoceno-Eoceno (PETM): evento de aquecimento global ocorrido há cerca de 56 milhões de anos, usado como analogia para mudanças climáticas atuais.
Angiospermas: grupo de plantas com flores, hoje dominante na maioria dos ecossistemas terrestres.
Gymnospermas: grupo de plantas com sementes expostas, como pinheiros e araucárias, que dominaram paisagens antes da expansão das angiospermas.
