Utilizamos cookies neste site. Alguns são utilizados para melhorar sua experiência, outros para propósitos estatísticos, ou, ainda, para avaliar a eficácia promocional do nosso site e para oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para mais informações sobre os cookies utilizados, consulte nossa Política de Privacidade.

Pesquisa

Estudo da Univates analisa a participação das pessoas com perda auditiva no mercado de trabalho

Por Lucas George Wendt

Postado em 27/08/2025 08:54:23


Compartilhe

No Brasil, mais de 10 milhões de pessoas convivem com algum grau de deficiência auditiva, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar dos avanços legais e de um debate crescente sobre diversidade e inclusão nas organizações, a realidade ainda mostra que pessoas com perda auditiva enfrentam barreiras para conquistar e permanecer no mercado de trabalho. Esse cenário foi investigado em profundidade pela estudante Evilin de Souza Agostini, do curso de Administração da Universidade do Vale do Taquari – Univates, em sua monografia de conclusão de curso. O trabalho foi orientado pela professora Luciane Franke. 

O trabalho, intitulado “O silêncio e o barulho dos não escutados: participação das pessoas com perda auditiva no mercado de trabalho”, traz um retrato do que significa, na prática, buscar inclusão para além do discurso. A pesquisa foi realizada no Rio Grande do Sul, com foco especial em municípios do Vale do Taquari, e ouviu diretamente pessoas com deficiência auditiva sobre suas experiências profissionais, dificuldades enfrentadas e expectativas em relação ao futuro.

O estudo evidencia que, embora a legislação brasileira imponha cotas e estabeleça diretrizes para a inclusão, o cumprimento das normas nem sempre se traduz em efetiva integração. Muitas empresas ainda contratam profissionais surdos apenas para atender a exigências legais, sem oferecer os recursos, a acessibilidade e o preparo necessários para que esses trabalhadores possam exercer plenamente suas funções.

Da motivação pessoal à pesquisa acadêmica

A escolha do tema não foi casual. Evilin explica que sua motivação nasceu do interesse pessoal pelas lutas enfrentadas por pessoas com perda auditiva, somado à sua formação em Administração, que a fez refletir sobre o papel das organizações no acolhimento e no desenvolvimento de talentos.

“A Administração vai muito além de números. Ela tem um papel fundamental na valorização do colaborador e na criação de ambientes inclusivos. Quis entender de perto como isso se aplica à realidade das pessoas com deficiência auditiva, que muitas vezes são invisibilizadas nas discussões sobre mercado de trabalho”, afirma a autora.

Para estruturar a pesquisa, Evilin utilizou diferentes métodos de coleta de dados: levantamento bibliográfico, análise documental e, sobretudo, aplicação de questionários junto a pessoas com perda auditiva. O contato foi feito com apoio de instituições especializadas, como a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos de Erechim (APADA), a Associação dos Surdos de Santa Cruz do Sul (ASSCS) e a Associação dos Surdos de Lajeado (ASLA).

As respostas foram coletadas entre março e abril de 2025, totalizando cinco participantes que compartilharam suas vivências no ambiente de trabalho. Embora pequeno, o grupo representa diferentes trajetórias, servindo como estudo de caso para compreender padrões e levantar reflexões.

O que revelam os respondentes

- Os participantes da pesquisa, identificados apenas como Respondente 1, 2, 3, 4 e 5, descreveram uma série de obstáculos comuns enfrentados por pessoas com deficiência auditiva no mercado de trabalho. Entre eles, destacam-se:

- Dificuldades de comunicação: a ausência de intérpretes de Libras ou de ferramentas tecnológicas de acessibilidade faz com que reuniões, treinamentos e até tarefas cotidianas se tornem desafios constantes.

- Falta de preparo das empresas: gestores e colegas de trabalho muitas vezes não têm conhecimento básico sobre como interagir e apoiar adequadamente colegas surdos ou com perda auditiva.

- Contratações formais: em alguns casos, a inclusão é apenas aparente. A empresa cumpre a Lei de Cotas, mas não investe em acessibilidade, limitando a participação plena do trabalhador.

- Carência de oportunidades de crescimento: profissionais com deficiência auditiva relatam dificuldade em serem promovidos ou receberem treinamentos que lhes permitam desenvolver a carreira.

- Um dos depoimentos sintetiza o sentimento recorrente entre os participantes: “Estamos no ambiente de trabalho, mas muitas vezes não nos sentimos parte dele. O silêncio não está só na audição, mas também na forma como nos tratam.”

Inclusão vai além do cumprimento da lei

A pesquisa ressalta que a legislação brasileira é considerada um avanço importante. A Lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, determina que empresas com 100 ou mais empregados devem destinar de 2% a 5% de seus cargos para pessoas com deficiência. Além disso, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforça os direitos à acessibilidade e à igualdade de oportunidades.

No entanto, Evilin conclui que apenas a obrigatoriedade legal não é suficiente. “Incluir significa investir em comunicação acessível, capacitar equipes, adaptar processos e, sobretudo, cultivar uma cultura organizacional de respeito e empatia”, aponta.

Essa perspectiva é reforçada pela análise de experiências bem-sucedidas, ainda que pontuais, de empresas que oferecem treinamentos em Libras para suas equipes, instalam recursos visuais de alerta e criam espaços de diálogo sobre diversidade. Segundo o estudo, nessas organizações os ganhos não são apenas sociais, mas também produtivos: profissionais se sentem mais engajados e motivados, e a empresa se beneficia de equipes mais diversas e criativas.

O título da pesquisa — “O silêncio e o barulho dos não escutados” — reflete a dualidade enfrentada pelas pessoas com deficiência auditiva. De um lado, a experiência do silêncio físico da surdez. De outro, o barulho simbólico das suas lutas, muitas vezes ignoradas pela sociedade.

Para Evilin, esse contraste é um convite à reflexão. “O barulho existe porque há demandas urgentes que precisam ser ouvidas. São vozes que não podem continuar invisíveis nas organizações. O verdadeiro desafio é transformar o silêncio em diálogo e o barulho em ações concretas”, afirma.

Conexão com a agenda global

Outro aspecto relevante da monografia é o diálogo com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). O estudo se alinha diretamente a dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS):

ODS 8: trabalho decente e crescimento econômico;

ODS 10: redução das desigualdades.

Ao propor práticas inclusivas que valorizam pessoas com deficiência auditiva, a pesquisa contribui para pensar um modelo de desenvolvimento mais justo, no qual diversidade e equidade sejam pilares.

Reflexões para gestores e organizações

Para gestores de empresas, o estudo de Evilin serve como alerta e guia. Ao mesmo tempo em que expõe a distância entre o discurso e a prática, ele também demonstra que há soluções viáveis para superar as barreiras existentes.

A pesquisa destaca que investir em inclusão não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também uma estratégia de inovação e competitividade. Equipes diversas tendem a encontrar soluções mais criativas para problemas complexos, além de fortalecer a imagem institucional das empresas perante clientes e comunidade.

O futuro da inclusão

Apesar de apontar desafios, a monografia de Evilin também transmite esperança. Os depoimentos colhidos mostram que, quando há investimento em acessibilidade e respeito, às pessoas com deficiência auditiva podem desempenhar papéis de grande relevância nas organizações.

O estudo reforça que a inclusão não deve ser entendida como favor ou obrigação legal, mas como direito humano básico. A verdadeira transformação virá, segundo a autora, da mudança cultural: empresas que enxergam seus colaboradores surdos como profissionais capazes e plenos, não como exceções a serem toleradas.

Fique por dentro de tudo o que acontece na Univates. Escolha um dos canais para receber as novidades:

Compartilhe

voltar