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Ciência

Diário de bordo, viagem à Antártica, parte V

Por Lucas George Wendt

Postado em 19/02/2025 14:33:56


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A estudante de mestrado Ândrea Pozzebon-Silva, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates e o professor André Jasper embarcaram, no 27 de dezembro de 2024, para participar da XLIII OPERANTAR, a expedição científica brasileira à Antártica. Os dois retornam ao Brasil em meados de fevereiro de 2025. 

Essa é a primeira vez que Ândrea, que é licenciada em Ciências Biológicas pela Univates irá ao continente gelado, enquanto Jasper já participou em duas oportunidades anteriores - a OPERANTAR XII - no verão 1993/1994; e a OPERANTAR XLII - no verão 2023/2024. A participação da jovem pesquisadora marca, também, a primeira vez em que um estudante da Universidade acompanha uma expedição ao continente. 

Ao longo da viagem, e na medida em que possível, devido às condições extremas do continente em relação à comunicação, publicaremos relatos enviados por Ândrea. 

Acolhida na base argentina

(Confira as imagens referentes ao relato na galeria na sequência deste texto) 

13 de Fevereiro de 2025, a bordo do NPo Almirante Maximiano H41. 

“Cuando llegaste apenas me conocias, cuando te vayas, me llevará contigo.” - Autor desconhecido. 

Ao escrever sobre a tragédia do Antarctic (veja o capítulo anterior), eu confesso ter sentido uma sensação esquisita. O dia de nosso resgate se aproximava e não tínhamos muita notícia ou ideia do que aconteceria. Reuníamos informações metereológicas com cartas de gelo semanais, e informações que conseguíamos de amigos sobre o posicionamento das embarcações dia após dia. Algo que nos afligiu foi ver que o navio que nos resgataria não estava se aproximando de onde estávamos, e nossa janela de retirada se fazia cada vez menor. Quem acampa com frequência sabe que o nervosismo é inimigo número 1 para a estabilidade de um acampamento. Por isso, nosso maior divertimento e distração foi elucubrar o que nos aguardava. Estávamos tranquilos, pois tínhamos recursos para mais um mês de acampamento se fosse necessário.

E devido a nevasca colossal que já comentei, qualquer tipo de trabalho de coleta de sedimentos ou fósseis se tornou impossível, de forma que tivemos bastante tempo para imaginar todos os cenários possíveis, dos mais engraçados aos mais trágicos. Os ventos que trouxeram toda a neve foram oriundos do sul, de forma que todos os icebergs se deslocaram e acumularam na boca do Mar de Weddell, tornando o caminho instransponível para o NApOc Ary Rongel fazer qualquer resgate. Pensei imediatamente na cabana dos suecos, na invernagem compulsória… Certamente estávamos em situação melhor que àqueles em 1903. E não estávamos de forma alguma, desamparados. A Marinha se prontificou rapidamente a acionar a base argentina de Marambio. Eu não imaginava que a partir desse pequeno “inconveniente” viveria experiências lindas, memoráveis e conheceria gente tão bacana. Os argentinos prontamente responderam, de forma que no dia seguinte já nos resgataram no acampamento e nos levaram para a ilha de mesmo nome da base, Marambio, que fica imediatamente ao norte de Snow Hill.

Em questao de 15 minutos de helicóptero, ao horizonte, acima de um platô, vi pequenos quadrados vermelhos enfileirados, que a medida que nos aproximamos se tornaram cada vez maiores. Operacional desde 1969, a base Marambio é estratégica por ter a única pista de pouso preparada para aviões de grande porte na região, permitindo operações durante todo o ano. Logo vi uma pequena comitiva que nos esperava na entrada da base. Como fomos bem recebidos! O plano era pernoitar em Marambio e seguir para uma base, também argentina, situada no continente antártico chamada Esperanza, no dia seguinte.  Era sábado, e é de costume da antártica argentina sempre servir pizza nesse dia, seja em base ou em acampamento. Notamos uma certa movimentação de alguns militares da base com caixas de som e microfones, achei que teria alguma apresentação ou música ao vivo… mal sabia eu que os hermanos resolveram fazer uma competição internacional de karaokê, uma vez que tinhamos colombianos presentes na base, nós brasileiros e os próprios argentinos.

Resultado: por aclamação, fiquei em segundo lugar na contenda, e a Argentina que jogava em casa ficou em primeiro. Mais do que justo. Com direito a certificado e prêmio, fui dormir contente, e pela primeira vez em algum tempo, numa cama de verdade. Acordamos cedo, nosso vôo seria o primeiro da manhã. Seria uma lingada de 45 minutos até a base Esperanza. Algo que devo salientar aqui é que a imensidão da paisagem engana, e muito, nossa perspectiva e noção sobre distanciamento e altura. Parecíamos sobrevoar perto dos grandes icebergs tabulares quando vi… insetos? Insetos sobrevoando icebergs, como libélulas? Nesse frio? E depois, uma turma de golfinhos, cerca de 5 deles nadando juntos. Quando me dei conta da altura que estávamos, percebi que as “libélulas” eram aves, e que o bando de 5 eram lindas baleias nadando entre os blocos de gelo. A vastidão da paisagem e a grandeza de seus elementos enganam completamente os nossos sentidos.

Senti o helicóptero subir ainda mais quando atingimos a península. Montanhas cobertas de neve, grandiosas, enchiam os olhos. E logo, pontinhos vermelhos apareceram lá longe, embaixo, quando olhei pela janela. Conforme nos aproximamos, pude ver pequenas casinhas vermelhas, que compunham uma pequena cidadela. E outros muitos, milhares de pontinhos pretos, pinguins, se atropelaram em desespero quando da aproximação do helicóptero. Evidentemente pousamos em área longe o suficiente da pinguineira (que tomou conta do espaço ao redor das edificações). A acolhida calorosa não foi diferente. Ao entrar na área comunal do local, senti a fumaça do churrasco, o cheiro da construção de madeira, o salão a meia luz, o jogo de futebol na televisão… saí do meu devaneio sensorial quando um gentil militar pediu se eu queria água quente para um mate. Senti que estava em casa. Uma sensação gostosa de retornar para um lugar onde nunca estive. Ali havia pessoas gentis, de aperto de mão forte e olhar doce. Nos receberam como se fôssemos velhos amigos. Ao passar do dia, recebemos o comunicado que quem nos buscaria em Esperanza, seria o Tio Max, ou formalmente, o NPo Almirante Maximiano. Como passaríamos o dia ali, uma militar da armada argentina, minha xará, com quem fiz bonita amizade, nos levou conhecer as cercanias onde havia um pequeno museu (!) e vestigios de construções históricas. Lembram dos suecos e sua invernagem forçada, e do naufrágio do navio Antarctic? 

Em 1903, enquanto os suecos estavam em Snow Hill, esperando o resgate que não viria, o capitão do Antarctic, Larsen, e sua tripulação naufragada encontraram sua salvação em uma baía bonita no continente, perto de onde o navio havia naufragado. Isso forçou Larsen e sua tripulação a se abrigarem nesse local, onde construíram uma cabana improvisada de rochas empilhadas e sobreviveram por meses sob condições extremas. Hope bay, ou baía Esperanza, tem esse nome por ter sido a esperança de sobrevivência dos náufragos. A base argentina leva orgulhosamente esse nome. A cabaninha rochosa ainda estava lá. Um museu foi elaborado para contar essa bela história e a história da formação da base. 

Pernoitamos em um alojamento que mais parecia uma casa completa. E depois de uma bela noite de sono e coração quente por conta de toda a hospitalidade e carinho que recebemos, nossos queridos compatriotas chegaram de helicóptero pela manhã para nos buscar. Estávamos voltando para casa. Deixei parte do meu coração em Esperanza, e me resta apenas a esperança de voltar um dia para esse lugar maravilhoso. Para além de toda a experiência de campo e logística, de belas paisagens e de clima extremo, uma das coisas que mais me marcaram, certamente, foi a colaboração e cooperação internacional que existe na Antártica. Evidentemente o Tratado Antártico preconiza isso, entretanto, o carinho, o cuidado e o acolhimento superaram qualquer cláusula.  Mais do que isso, aprendi que a vida acontece entre os nossos planos e que curtir o caminho da viagem é tão bonito quanto o destino. A frase qual inicio esse capítulo, é uma frase gravada na parede do salão comunal da base de Marambio. Tamanha verdade! Viva a cooperação Antártica! Viva a América Latina! Aqui expresso minha gratidão pela proatividade, eficiência e acolhimento que as duas bases argentinas tiveram conosco. O próximo capítulo deve surgir em solo chileno. Enquanto isso, lido novamente com o Drake. Câmbio, desligo.

Confira aqui as outras partes do relato já publicadas

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