O conservadorismo da comunidade judaica já foi retratado em diversas produções culturais - de filmes do Woody Allen a obras literárias como o clássico Complexo de Portnoy, do recém-falecido escritor Philip Roth, não foram poucos os que trouxeram à tona os antiquados costumes dos representantes de tal religião. No centro do ótimo Desobediência (Disobedience), a conduta retrógrada dos judeus vêm novamente à tona quando a fotógrafa Ronit (Rachel Weisz) retorna para a sua cidade natal (no interior da Inglaterra) pela primeira vez em muitos anos para comparecer ao funeral do pai, um respeitado rabino. Ronit é tudo aquilo que abominam os reacionários: é uma mulher independente, que tem o seu trabalho, que não é casada e que sequer cogita a possibilidade de ter filhos. Ao contrário, vive uma vida confortável na Big Apple, rodeada de amigos e de romances eventuais.
Sua chegada a cidade representa, portanto, um choque, sendo natural a desconfiança com que todos a observam - algo agravado pelo fato de ela ter deixado o local no passado, de forma aparentemente abrupta. Acolhida por Dovid (Alessandro Nivola) e Esti (Rachel McAdams) - ambos amigos de infância e, atualmente casados - Ronit passará os dias no local, até o data em que o funeral aconteça e Dovid assuma como rabino a partir de então. Só que há segredos relativos ao passado, que envolvem os três, e que representarão certamente um choque para a comunidade. Homossexual, Esti mantém um casamento de aparências com Dovid, numa existência repetitiva, bem ao estilo daquilo que imaginam as "famílias de bem" para os seus filhos. Não demorará para que percebamos que a chagada de Ronit à cidade tem a ver com uma atitude de Esti. E que há pendências entre as duas - que envolvem muito mais do que uma amizade.
Em sua primeira incursão por Hollywood, após ter ganho o Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira na edição desse ano (pelo soberbo Uma Mulher Fantástica), o diretor Sebastián Lelio conduz a película com grande elegância - fazendo com que o espectador deguste cada sequência da melhor maneira. Em uma cena que envolve um jantar em família, por exemplo, não deixa de ser tocante perceber o fato de que existe uma cumplicidade natural entre Esti e Ronit - algo que pode ser notado apenas com uma troca de olhares entre elas. Da mesma forma, o diretor jamais força a barra nos momentos mais tocantes do filme - fazendo com que as emoções transbordem de maneira bastante natural (e confesso que o fato de torcermos MUITO pelo amor de ambas as personagens, torna a experiência ainda mais especial).
Desobediência dificilmente será lembrado na temporada de premiações, ainda que merecesse. O trio central entrega caracterizações absolutamente verossímeis - e confesso que fiquei assombrado pela interpretação de Nivola (que, mesmo com seu semblante suave, é capaz de demonstrar o quanto a situação vivida pela "família" lhe devasta). O mesmo vale para Weisz que, quase sempre com o olhar triste, transmite também uma insegurança diante daquilo que lhe reserva o futuro. Já a fotografia acinzentada e os figurinos sempre soturnos, são capazes de evocar de forma bastante natural o estado de espírito daqueles que assistimos - melancólicos, fúnebres e com existências opacas. Ousado ao optar pelo olhar feminino em meio a um contexto machista e opressor, Desobediência ainda ganha pontos por seu final em aberto, cabendo a nós, espectadores, um olhar de cumplicidade diante daquilo que presenciamos.