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Notícias

28 Junho de 2018

Gilberto Gil: “Os músicos nos vendemos em parte ao mercado”

Houve um tempo em que Gilberto Gil (Salvador, 1942) era otimista. Mesmo nos dois meses que compartilhou prisão com Caetano Veloso, naqueles anos sessenta em que ambos forjavam o tropicalismo, arriscando a pele diante da ditadura instalada após o golpe militar de 1964. Inclusive durante o exílio em Londres, ao qual se viu posteriormente forçado, Gil sorria com esperança quanto ao futuro, enquanto protagonizava a revolução social dos costumes, de sanfona e violão na mão, junto com membros de grupos como Pink Floyd e Yes. Conseguiu então penetrar nos ambientes do pop hippie britânico. Participava com suas tranças e seu sorriso de sambista de festivais como os da ilha de Wight e recebia convites para o line-up de Montreaux, na Suíça.
 
Naqueles anos setenta ele era feliz. Contagiava e armazenava uma experiência global que o levaria a ser ministro da cultura no Governo Lula, entre 2003 e 2008. Também então, Gilberto Gil acreditava que era possível transformar diretamente as coisas. Agora não. Agora duvida. Agora, com 55 anos de carreira nas costas e uma longa trajetória política dentro da esquerda e do ambientalismo, confessa estar pessimista. “Vivemos um retrocesso, neste momento é que precisamos mais do que nunca sair para cantar”, diz.
 
Fala isso por telefone da Rússia, aonde viajou para ver alguns jogos da seleção brasileira na Copa antes de iniciar a etapa europeia de uma turnê que comemora os 40 anos do lançamento de Refavela, um de seus discos fundamentais. “Aquele disco pertence a um momento em que experimentávamos fusões e estabelecíamos relações até então desconhecidas entre o Brasil, a África, a Jamaica, o Caribe... Isso que agora é natural, mas na época não era.” Então nascia aquilo. A busca, a mestiçagem tingida de mensagem política que foi a marca do movimento criado por Gil, Caetano, Maria Bethânia, Gal Costa, Tom Zé… Aquilo que depois marcou o caminho para músicos de todo o mundo, entre raízes do samba e irmanações africanas e americanas, sem renunciar ao rock e ao pop. A lenda do tropicalismo.
 
Foi uma revolução nada silenciosa. Mas com um ritmo musical e sociocultural factível, em escala humana. Não como o presente: “Tudo muda muito rapidamente. Um país como o Brasil está acelerado, metido numa dinâmica permanente.” Mas não na direção correta, segundo Gil. “Para trás. Com muita força. Em diferentes aspectos. Não precisamente bons. Tudo o que acreditávamos que cresceria depois da metade do século XX, a pluralidade, a tolerância, retrocede.”
 
A tecnologia não ajuda: “A revolução cibernética, a Internet, as redes sociais são um fenômeno novo e abrasador que tumultua o ambiente, nem sempre para bem.” Algo ideal teria sido que um impulso como o seu, em conivência com ferramentas como as atuais, confluísse para algo digno. Mesmo assim, acredita que a potência criativa dos mais jovens encontrará espaço: “Em uma rica multiculturalidade e com diferença de visões. Hoje existe uma potência criativa nova muito variada e com muitas inquietações em muitos campos.”
 
Mas grande parte dos aspectos da mudança radical que eles perseguiram ainda estão pendentes: “Ideias não cumpridas, transformações éticas e estéticas. Muita coisa não aconteceu. Chegamos a aceitar um capitalismo propiciado pela democracia que em inúmeros casos fracassou. O que temo é que faremos uma debacle da civilização por culpa da tecnologia, da inteligência artificial, que tudo isso produza um vazio geral.”
 
Por isso, talvez agora mais do que nunca, ele sente a necessidade de cantar, de levar sua música pelas esquinas. “Temos enormes desafios pela frente. A adaptação ao meio ambiente, um crescimento esmagador da população mundial, demandas vertiginosas de recursos naturais. Diante disso, a música é um bálsamo, um unguento contra essa debacle. Temos mais responsabilidade que nunca, contagiar essa alegria e essa consciência para as pessoas, esse entusiasmo pelos assuntos importantes, não pelo superficial.”
 
Voltar a um espírito reivindicativo. “Conseguir penetrar no sistema político, econômico, que seja uma resposta ao que nos cerca.” Sente-se responsável por ter talvez baixado a guarda em algum momento: “Em certo ponto, os músicos vendemos nosso espírito ao material, ao capital, ao negócio que nos cercava, e contribuímos para esse paradoxo da pós-modernidade.”
 
Todo isso o empurra a sair, escoltado pelas novas gerações: “Fazer esta turnê foi ideia do meu filho Ben e de amigos deles e meus. Eles compreenderam essa função de desenvolvimento natural do nosso legado, como ele pode contribuir para o equilíbrio do sistema se ajudarmos as pessoas a compreenderem o que está acontecendo”.
 
Fonte: El País
 
 
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