Disco da Semana - Dingo Bells (Todo Mundo Vai Mudar)
Se manter relevante em meio a um cenário musical tão amplo, democrático e plural como este que vivemos nos dias de hoje não deixa de ser um desafio para as bandas modernas. Em um mundo tão intolerante as pessoas querem, sim, se divertir, mas também parecem desejar que seus artistas preferidos se posicionem, se engajem em algo, enfim, tenham algo com mais "conteúdo" pra dizer, que não seja o simples blábláblá sobre o amor que ocorre desde sempre. Nesse sentido, poucos coletivos são tão completos como os gaúchos da Dingo Bells que, com Todo Mundo Vai Mudar, chega ao seu segundo (e festejado) registro. Se com o ótimo Maravilhas da Vida Moderna - nosso décimo sétimo colocado na lista de Melhores Discos Nacionais de 2015 - o trio já esbanjava complexidade nas divagações sobre um cotidiano capaz de ser o de cada um nós, o segundo álbum parece ampliar ainda mais este sentimento.
Tomemos a abertura com a música título - uma das candidatas a música do ano, diga-se. Após um começo com bateria ritmada e guitarra bem pontuada, entra a letra, aconchegante e reflexiva, que reflete sobre maturidade e sobre como podemos ser capazes de fazer as mesmas ações de uma forma diferente daquela do passado - As palavras vão e vem / Trocam de lugar / Quanta coisa já pensei / Sem considerar. Essa sensação de que estamos em constante mudança, evoluindo permanentemente - como uma metáfora vivenciada pela própria banda - reaparece aqui e ali em outras canções, como Ser Incapaz de Ouvir, O Que Não Se Vê de Cara e Sinta-se Em Casa. Ainda que, em cada uma delas, este expediente apareça nunca de forma óbvia, num exercício de sutileza que faz o ouvinte sorrir e pensar ao mesmo tempo.
Outra canção que arrebata pela letra bem construída é Tudo Trocado. Reinterpretação de Tô, "clássico" do Tom Zé, ao mesmo tempo que serve como uma alegoria para o mundo em que vivemos - e não está tudo trocado? - ainda funciona como jogo de palavras capaz de representar a intenção de algo, quando na verdade queremos outra coisa. (Briga pra ficar bem / E chora pra secar o rosto). E que, novamente, tem a ver com deslocamento, mudança. "[Nossa intenção foi a de] refletir sobre os diferentes aspectos de mudança que uma pessoa pode viver: seja física, geográfica, imaginária ou espiritual" comentou, em entrevista ao site A Gambiarra, o baixista e vocalista Felipe Kautz. Esse sentimento se espalha por todo o disco que, não por acaso, vai para além da soul music e do groove que emulam os anos 70 da época mais dançante do Tim Maia - uma característica já consolidada do trio - para encontrar em eletronices, barulhinhos, efeitos e sintetizadores uma reinterpretação do próprio cancioneiro da Dingo. "Uma mistura de elementos mais estranhos e interessantes que anteriormente", admite Kautz na mesma entrevista, sem esconder referências que vão de David Bowie a Radiohead.
Uma maior quantidade de elementos de maneira alguma transforma o disco em um produto mais hermético ou difícil. Muito pelo contrário, ao optar novamente por uma atmosfera dançante e radiofônica, o trio - completado por Diogo Brockmann (guitarra e voz) e Rodrigo Fischmann (bateria e voz) - abraça o pop desavergonhadamente, ainda que agora com uma maior robustez. Mesmo músicas recheadas de elementos, caso de Na Carona, com seus repetidos nananás do refrão, são capazes de grudar na primeira audição. Nesse sentido o trabalho, produzido por Marcelo Fruet e resultado de uma imersão de dois meses da banda em um estúdio da Zona Sul de Porto Alegre, tem tudo pra se tornar, com sua mistura multicolorida do cancioneiro nacional, um dos preferidos das listas de melhores de 2018.
Fonte: Picanha Cultural