Filmado no Brasil entre 2012 e 2015, o documentário “Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, de Marco Del Fiol, acompanha viagens da famosa artista performática sérvia em buscas alegadamente espirituais. Ou, como ela define, ela veio procurar pessoas “que sabem extrair e distribuir energia”.
A artista é conhecida no mundo inteiro e tem seus fãs. Mas é inevitável olhar com no mínimo algum ceticismo esta jornada no Brasil (onde ela esteve anteriormente, em 1989).
O périplo de Marina é longo, percorrendo cerca de 6.000 km pelo país. A primeira parada é Abadânia (GO), onde ela segue as supostas “curas”, a partir de “cirurgias” realizadas com facas pelo médium João de Deus --oferecendo imagens simplesmente aterradoras ao espectador.
A desconfiança surge, de saída, sobre como Marina compra a versão da “cura”, sem jamais questionar o que está acontecendo ali --o que equivale a dar aval a fenômenos altamente discutíveis, porque de difícil comprovação, sem contar os riscos médicos dos procedimentos a que se assiste.
A artista, no entanto, está completamente à vontade ali. Incorpora-se às multidões de pessoas que procuram o médium, dedicando-se a um interminável solilóquio, em que comunica ao espectador tudo o que está pensando e sentindo. Porque tudo o que interessa ao filme são os sentimentos de Marina.
A viagem prossegue, acompanhando cerimônias místicas no Vale do Amanhecer (DF); o sincretismo religioso em Salvador; rituais com o uso do alucinógeno ayauasca na Chapada Diamantina (BA); e “processos xamânicos” nos arredores de Curitiba (PR).
Além de assistir à participação de Marina nestes rituais, ouve-se seu interminável monólogo interior, em que ela mistura suas observações sobre o que assiste com suas mágoas passadas, como suas separações. Soa como terapia, pela qual nenhum dos espectadores está sendo pago.
Nada de estranhar, afinal, todo o trabalho performático da artista localiza-se, de forma recorrente, nesta auto-referenciação. Ela não deixa de recordar outras viagens místicas --à Índia, Egito, Sri Lanka, Tailândia--, muito menos de lembrar de suas performances passadas (como “Rhytm”, de 1974, em que ela lançava ao fogo pedaços de seus cabelos, ou “Terra comunal”, que esteve em cartaz no Sesc Pompéia em 2015).
Pensando bem, o documentário é uma ótima oportunidade de um balanço sobre o valor de toda esta arte conceitual/performática que invade a cena contemporânea. Quem se identificar, fique à vontade. Mas há espaço também para se questionar tudo isso.
Fonte: Globo