Um estudo desenvolvido a partir de uma dissertação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade do Vale do Taquari – Univates acaba de trazer novas evidências sobre o comportamento das alergias respiratórias na população do Vale do Taquari, região central do Rio Grande do Sul.
O artigo, intitulado “Latent Class Analysis of Aeroallergen Sensitization Profiles: Correlations with Sex, Age, and Seasonal Variation in Serum-Specific IgE—Cross-Sectional Study”, foi publicado no periódico internacional BioMed e apresenta uma análise dos perfis de sensibilização a aeroalérgenos, substâncias como pólen, poeira, ácaros e fungos, que estão entre as principais causas de doenças alérgicas.
O trabalho é assinado por Michelle Silva Szekut, Tatiana Jung, Ágatha Kniphoff da Cruz, Laura Marina Ohlweiler, Luiza Pedralli, Rafaela Wickert Witz, Fernanda Majolo e Guilherme Liberato da Silva, todos vinculados à Univates.
A pesquisa analisou 995 testes de IgE específica, realizados em laboratório clínico da região, para mapear padrões de sensibilização e suas relações com idade, sexo e variação sazonal.
Alergias e saúde pública
A prevalência crescente das doenças alérgicas, como rinite, asma e dermatite atópica, tem despertado a atenção de profissionais da saúde em todo o mundo. Essas condições são frequentemente mediadas pela imunoglobulina E (IgE), um tipo de anticorpo que desempenha papel central nas respostas alérgicas. Quando o organismo entra em contato com determinados alérgenos ambientais, ocorre a produção de IgE específica, o que pode desencadear sintomas respiratórios e inflamatórios.
De acordo com o professor Guilherme Liberato da Silva, orientador do estudo, “compreender o perfil local de sensibilização a aeroalérgenos é importante para diagnósticos mais precisos e estratégias de prevenção mais eficazes. Cada região apresenta particularidades relacionadas à vegetação, umidade e condições climáticas, que influenciam diretamente na exposição a agentes alérgicos”.
Metodologia e amostragem
O estudo teve caráter transversal e envolveu a análise retrospectiva de 995 exames laboratoriais realizados entre diferentes estações do ano. As amostras foram agrupadas em seis categorias principais de aeroalérgenos: ácaros, poeira, epitélio de animais, fungos, gramíneas e pólen. Os dados também foram classificados conforme sexo, faixa etária e época do ano, permitindo identificar padrões e correlações estatisticamente significativas.
A metodologia empregada incluiu uma análise de classes latentes (Latent Class Analysis – LCA), técnica estatística utilizada para identificar grupos de indivíduos com características semelhantes dentro de um conjunto de dados. Essa abordagem permitiu mapear três perfis distintos de sensibilização:
Classe 1 – Sensibilização Moderada
Classe 2 – Sensibilização Baixa
Classe 3 – Sensibilização Alta
Segundo os autores, o modelo de três classes apresentou melhor ajuste aos dados e forneceu uma visão mais clara das diferenças entre os grupos populacionais avaliados.
Achados principais
Entre os resultados, um dos aspectos mais relevantes foi a associação entre sexo, idade e níveis de sensibilização às gramíneas, categoria que inclui diversos tipos de pólen presentes na vegetação regional. O estudo mostrou que homens tiveram 65% maior probabilidade de apresentarem níveis elevados de IgE específica para esse tipo de alérgeno, quando comparados às mulheres.
Além disso, observou-se que a idade avançada também se correlaciona com maiores níveis de IgE, sugerindo que a exposição acumulada ao longo da vida pode influenciar a sensibilização. Outro achado importante foi a forte correlação entre ácaros, poeira e pólen, indicando que esses alérgenos frequentemente coexistem no ambiente doméstico e rural do Vale do Taquari. Essa sobreposição pode potencializar reações alérgicas e dificultar o controle dos sintomas em pacientes sensibilizados.
A maior parte dos exames foi realizada durante a primavera (27,7%), estação marcada pelo aumento da polinização e, consequentemente, pela elevação das queixas alérgicas na população. O grupo etário mais representativo foi o de indivíduos com menos de 18 anos (56,5%).
Implicações clínicas e regionais
Os resultados do estudo têm implicações diretas para a prática médica e o planejamento em saúde pública na região. O conhecimento pormenorizado do perfil regional de sensibilização a aeroalérgenos permite aos profissionais de saúde estabelecer diagnósticos mais direcionados e indicar tratamentos personalizados, como imunoterapia específica.
A pesquisadora destaca ainda que o estudo reforça a necessidade de monitoramento contínuo das condições ambientais e das doenças respiratórias alérgicas. Mudanças climáticas, urbanização e poluição atmosférica são fatores que podem alterar o comportamento dos alérgenos e, portanto, impactar diretamente a saúde da população.
Colaboração científica e formação acadêmica
O artigo é fruto de uma pesquisa integrada entre docentes, egressos e estudantes da Univates, vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas e ao Curso de Medicina. O grupo multidisciplinar reuniu profissionais com formação em biomedicina, medicina e biologia, evidenciando a abordagem colaborativa da universidade na produção científica.
O professor Guilherme Liberato da Silva, que assina como autor correspondente do artigo, ressalta que a publicação internacional consolida a presença científica da Univates em temas relacionados à imunologia e à saúde ambiental. “Estudos como este mostram a importância das universidades regionais na produção de conhecimento que dialoga diretamente com as necessidades locais, mas que também tem alcance global”, afirma.
Glossário
Aeroalérgenos – Partículas no ar que causam alergias, como pólen, poeira, ácaros e fungos.
IgE (Imunoglobulina E) – Anticorpo que participa das reações alérgicas.
IgE específica – Tipo de IgE que reage a um alérgeno determinado (ex.: pólen ou ácaro).
Sensibilização – Quando o corpo passa a reagir a uma substância alérgica.
Classes de sensibilização – Grupos que indicam o nível de reação: baixa, moderada ou alta.
Gramíneas – Plantas como capim e trigo, cujos pólens podem causar alergias.
Ácaros – Pequenos organismos que vivem na poeira doméstica e provocam alergias.
Pólen – Partículas produzidas pelas flores, comuns no ar durante a primavera.
Poeira doméstica – Mistura de ácaros, fungos e resíduos que causa reações alérgicas.
Epitélio de animais – Fragmentos microscópicos de pele e pelos de animais que causam alergia.
Fungos – Organismos que liberam esporos e podem causar alergias respiratórias.
Imunoterapia – Tratamento que reduz a sensibilidade a um alérgeno.
Análise de classes latentes (LCA) – Método estatístico que identifica grupos com padrões semelhantes.
Estudo transversal – Pesquisa feita em um único momento, observando associações entre dados.
Associação estatística – Relação significativa entre duas variáveis, como idade e nível de alergia.
Correlação – Quando duas variáveis variam juntas, por exemplo, idade e IgE.
Sazonalidade – Mudanças que ocorrem conforme a estação do ano, como o aumento do pólen na primavera.
Vale do Taquari – Região do RS onde o estudo foi realizado, com clima e vegetação variados.
Doenças alérgicas – Problemas de saúde causados por reações a alérgenos, como rinite e asma.
Prevenção de alergias – Cuidados para evitar contato com alérgenos e reduzir sintomas.
Relevância clínica – Importância prática dos resultados para diagnóstico e tratamento médico.
