A estudante de mestrado Ândrea Pozzebon-Silva, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates e o professor André Jasper embarcaram, no 27 de dezembro de 2024, para participar da XLIII OPERANTAR, a expedição científica brasileira à Antártica. Os dois retornam ao Brasil em meados de fevereiro de 2025.
Essa é a primeira vez que Ândrea, que é licenciada em Ciências Biológicas pela Univates irá ao continente gelado, enquanto Jasper já participou em duas oportunidades anteriores - a OPERANTAR XII - no verão 1993/1994; e a OPERANTAR XLII - no verão 2023/2024. A participação da jovem pesquisadora marca, também, a primeira vez em que um estudante da Universidade acompanha uma expedição ao continente.
Ao longo da viagem, e na medida em que possível, devido às condições extremas do continente em relação à comunicação, publicaremos relatos enviados por Ândrea.
Passagem do estreito de Drake
A viagem do Beagle foi de longe o mais importante evento da minha vida, e determinou todo meu caráter. (...) Sempre senti que devia àquela viagem o primeiro treinamento real ou educação da minha mente; fui levado a atentar para vários ramos da história natural, e assim minha capacidade de observação melhorou, embora sempre tenha sido bem desenvolvida - Entendendo Darwin, 2009.
Apesar de longe da família, o ano novo foi especial (feliz ano novo!). Punta Arenas tem uma grande restrição quanto a fogos de artifício, então o pessoal se vira como pode. Assisti, da proa do Ary Rongel, com uma gelada Calafate Austral na mão, os fogos de ano novo de Punta Arenas: Sinalizadores de emergência. Silenciosos, rastros avermelhados subiam no céu. Pontos vermelhos pairavam na cidade, permanecendo cerca de 40 segundos no ar e desapareciam. No dia 02, o NapOc Ary Rongel H44 deixava, pelas 18 da tarde, o Puerto Mardones rumo a cantos mais ao sul.
[Foto1] (Confira as imagens na galeria que acompanha este texto)
Durante a travessia dos canais chilenos, dois oficiais da marinha do Chile estavam presentes. Os chamados práticos. São pessoas especializadas em navegação que entram em embarcações de outras nacionalidades para guiar os navios nos canais chilenos, pois são locais de alta periculosidade de trânsito. Nenhum navio de outra nacionalidade pode atravessar os canais chilenos sem os práticos. É uma questão de segurança na navegação. E foi nesse contexto que eu, não nova no mar, vi uma face desconhecida dele. Ao sair dos canais chilenos, na madrugada do dia 2 para 3 de janeiro, pegamos uma tormenta em um pedaço do oceano pacífico, ao fazer uma curva para chegar ao canal de Beagle.
[Fotos 2 e 3]
Começou com um balanço leve que foi aumentando vertiginosamente. Eu comecei a ouvir portas batendo e colegas acordando agitados no meio da madrugada para pegar medicamentos anti-enjoo. Fiz o mesmo mas, ainda assim, me senti muito mal. O que resolveu foi sair da cama, ir para a chamada Praça dArmas do navio (que é como uma sala de estar/refeitório) e ficar sentada, de olhos fechados, tentando não pensar em colocar a janta para fora (desculpa aí, mas aqui não tem glamour!). Melhorei muito quando subi ao passadiço do navio, onde fica a sala de comando e consegui sentir o vento e ver o horizonte. Meu labirinto se equilibrou e meu corpo entendeu que não estava sendo envenenado, eu só estava em um navio passando por mal tempo no mar.
Depois da tormenta, a calmaria. Entramos no famoso Canal de Beagle! O Estreito de Beagle foi nomeado em homenagem ao navio HMS Beagle, expedição que Charles Darwin fez em 1833, com o objetivo de mapear a costa da América do Sul e fazer levantamentos náuticos. Ele é uma importante rota marítima localizada ao sul da Ilha Grande da Terra do Fogo, separando as ilhas chilenas e argentinas da região. É possível, literalmente, ver a Argentina e o Chile ao mesmo tempo. Por sua localização estratégica, ele foi objeto de disputa territorial entre os dois países até o Tratado de Paz e Amizade de 1984, que definiu os limites marítimos na região. O ponto é rico em fiordes, canais e glaciares, resultado da ação das geleiras ao longo de milhões de anos. Os ventisqueiros são os que mais chamam a atenção no caminho. Foi a primeira vez que vi gelo, e tamanha surpresa minha ao ir através do bombordo do navio e ver uma grande geleira escorrendo do corpo da montanha.
[Foto 4]
Estávamos ansiosos (não da melhor forma) pelo que estava por vir ao atravessar o famoso Drake. O estreito é famoso por suas ondas gigantes, correntes marítimas intensas e ventos fortes, o que torna a navegação desafiadora mesmo para os marinheiros mais experientes. O estreito foi nomeado em homenagem ao explorador inglês Sir Francis Drake, que em 1578 liderou uma expedição ao redor do mundo. Durante sua travessia pelo sul da América do Sul, um de seus navios foi levado para o sul, revelando a existência de um mar aberto além do Estreito de Magalhães. É simplesmente o único local no mundo onde as correntes oceânicas podem circular livremente ao redor do planeta, sem interrupção por massas de terra. Isso faz com que as águas sejam extremamente agitadas. Devido às condições desfavoráveis à navegação ao longo do Drake (Drake 's shake), foi decidido fundear perto de Puerto Williams, a última cidade da América do Sul.
[Foto 5]
Puerto Williams é uma pequena cidade localizada na Ilha Navarino, no arquipélago da Terra do Fogo, às margens do canal do Beagle no extremo sul do Chile. É considerada a cidade mais ao sul do mundo, superando Ushuaia, na Argentina, em latitude austral. Existe uma grande competição entre os chilenos e argentinos sobre qual cidade é a última, mas é só olhar no mapa para perceber que Puerto Williams está mais à frente do Ushuaia (foi mal, hermanos!).
O resto, fica pra próxima parte, onde espero ter atravessado um Drakes Lake.
Câmbio, desligo.
4 de janeiro de 2025
Ândrea Pozzebon-Silva