A estudante de mestrado Ândrea Pozzebon-Silva, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates e o professor André Jasper embarcaram, no 27 de dezembro de 2024, para participar da XLIII OPERANTAR, a expedição científica brasileira à Antártica. Os dois retornam ao Brasil em meados de fevereiro de 2025.
Essa é a primeira vez que Ândrea, que é licenciada em Ciências Biológicas pela Univates irá ao continente gelado, enquanto Jasper já participou em duas oportunidades anteriores - a OPERANTAR XII - no verão 1993/1994; e a OPERANTAR XLII - no verão 2023/2024. A participação da jovem pesquisadora marca, também, a primeira vez em que um estudante da Universidade acompanha uma expedição ao continente.
Ao longo da viagem, e na medida em que possível, devido às condições extremas do continente em relação à comunicação, publicaremos relatos enviados por Ândrea.
Partida
A Terra do Fogo pode ser descrita em poucas palavras: um país montanhoso em parte submergido, de tal forma que profundos estreitos e vastas baias ocupam o lugar dos vales. Uma imensa selva que se estende desde cima das montanhas até o litoral. - Charles Darwin, 1832
A viagem até Punta Arenas foi uma sucessão de longas esperas. Alguns vôos atrasaram e as conexões foram exaustivas. Não há glamour. Já desconfiava da minha leve inimizade com aviões mas, dessa vez tive certeza. Entretanto ocorreu tudo bem e conforme o planejado.
Eram cerca de 10 da manhã do dia 28 de dezembro de 2024 quando avistei as primeiras facetas dos Andes. No pouso do avião, olhando da janela do vizinho, percebi o chão de gramíneas marrons, salpicados com asteráceas brancas e amarelas que enchiam os olhos. Haviam flores por todos os lugares. Algumas árvores de baixo porte e troncos retorcidos me indicaram que na região o vento é bastante predominante.
O objetivo agora era Puerto Mardones, o porto onde nos esperava o Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel H44, da Marinha do Brasil. A rodovia chilena costeava o mar e era enfeitada de lupinos que variavam do púrpura ao rosa amarelado. Uma paisagem paradisíaca.
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A terra patagonica de Punta Arenas é recheada de charme e história. Reconhecida internacionalmente como a porta de entrada para o continente branco, Punta Arenas é a capital da região de Magalhães e da Antártica Chilena. Foi fundada por José de los Santos Mardones (lembra do nome do porto?) um oficial da Armada do Chile, em 18 de dezembro de 1848. A cidade foi estabelecida como um ponto estratégico para o controle da navegação no estreito de Magalhães, uma rota importante para as expedições marítimas entre os oceanos Atlântico e Pacífico. A fundação de Punta Arenas tinha o objetivo de fortalecer a presença chilena na região e garantir o acesso a esses mares, além de incentivar a colonização e o desenvolvimento econômico da área, inicialmente marcada por sua localização remota e condições climáticas severas.
Se situa geograficamente na península de Brunswick, na rota de navegação que conecta os oceanos através do Estreito de Magalhães, possuindo assim, uma localização privilegiada para as expedições nacionais e internacionais que se dirigem à Península Antártica e às Ilhas Shetland do Sul.
[Foto 2]
O Estreito de Magalhães, descoberto por Fernão de Magalhães em 1520, tem grande importância histórica, pois foi a primeira rota marítima que conectou os oceanos Atlântico e Pacífico, facilitando o comércio e as viagens entre a Europa e a Ásia. A descoberta e a passagem por essa rota estratégica (e muito menos perigosa que o temido Cabo Horn) abriram novas possibilidades para a exploração e colonização das Américas, além de representarem um marco crucial na história das navegações.
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Infelizmente como parece ditar a regra da história Americana, aqui também viviam povos originários que foram tragicamente subjugados pela presença hispânica.
O povo Shelk'nam, indígenas nômades da Patagônia, habitavam principalmente a região ao norte do Estreito de Magalhães, em áreas da atual Terra do Fogo, na Argentina e no Chile. Conhecidos por sua cultura distinta e modos de vida adaptados às duras condições climáticas da região, os Shelk'nam viviam da caça e pesca, utilizando técnicas de caça à grande fauna local, como guanacos e ñandús, além de pesca nos rios e mares. Me chamou a atenção a presença cultural e a influencia desse povo em Punta Arenas, principalmente nas artes. Por um breve passeio no mercado publico pude notar diversos desenhos, esculturas, joias representando principalmente personagens culturais que representam os Espiritus de Hain.
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O Hain era um rito de iniciação masculino dos Shelk'nam, que marcava a transição dos jovens para a vida adulta. Durante o ritual, os iniciantes eram apresentados aos espíritos ancestrais, representados por figuras mascaradas e vestidas com peles de animais, associadas a forças sobrenaturais e à fauna local, como guanacos. Esses espíritos, com poderes místicos, simbolizavam a conexão dos Shelk'nam com a natureza e com o equilíbrio cósmico. O rito visava ensinar valores como coragem, resistência e a importância de manter a ligação espiritual com o mundo natural, além de garantir a preservação das tradições culturais.
Com a chegada dos colonizadores europeus no século XIX, especialmente após a fundação de Punta Arenas em 1848, os Shelk'nam sofreram grandes perdas. A expansão da colonização resultou no deslocamento forçado, na violência e na dizimação de seu povo, devido a conflitos armados, doenças e a exploração de suas terras para a criação de gado. Esse processo de marginalização e quase extinção do povo Shelk'nam foi um golpe devastador para suas tradições, incluindo o rito do Hain, que foi progressivamente abandonado. A cidade de Punta Arenas tornou-se um símbolo do fim da vida tradicional dos povos indígenas da região.
Apesar dos pesares, a fundação de Punta Arenas teve um impacto significativo na navegação e na exploração da Antártica, consolidando a cidade como um ponto crucial para expedições em direção ao continente gelado.
[Foto 5]
O resto é história para a próxima parte.
Câmbio, desligo.
30 de dezembro de 2024
Praça de Armas do NApOc Ary Rongel, H44. Puerto Marcondes, Punta Arenas, Chile. 19:48 pm.
Ândrea Pozzebon-Silva