As eleições de 2024 nos Estados Unidos estão programadas para serem realizadas, em grande parte, na terça-feira, 5 de novembro de 2024. Durante este ano de eleição presidencial, o presidente dos Estados Unidos e o vice-presidente serão eleitos.
A eleição presidencial dos Estados Unidos tem importância global devido à influência do país em questões econômicas, políticas e de segurança internacional. Como uma das maiores economias e potências militares do mundo, os Estados Unidos impactam diretamente o comércio global, a estabilidade financeira e a geopolítica.
Além disso, o presidente americano desempenha um papel chave em temas globais como mudanças climáticas, segurança cibernética e direitos humanos. As políticas adotadas pelo presidente eleito afetam tanto aliados quanto rivais, moldando alianças, tratados comerciais e estratégias de segurança em escala internacional.
Neste texto, o professor Mateus Dalmáz, doutor em História e docente de Relações Internacionais da Univates, apresenta panorama sobre uma das eleições mais relevantes do mundo.
Democratas, republicanos e as eleições nos Estados Unidos
Mateus Dalmáz - Professor de Relações Internacionais da Univates
Nas eleições presidenciais nos Estados Unidos invariavelmente há a bipolarização entre democratas e republicanos. Em 2024, não será diferente. A partir disso, duas perguntas se impõem: quais as diferenças entre o partido Democrata e o Republicano? E o que uma vitória da democrata Kamala Harris ou do republicano Donald Trump poderia significar para os americanos e para as relações internacionais?
Democratas e republicanos contém poucas diferenças. A origem dos dois partidos tem a ver com conjunturas do século XIX. O partido democrata surgiu em 1820 e, naquele período, representou o ponto de vista liberal, defendendo o livre-comércio, a liberdade individual e o empreendedorismo. Tinha como base trabalhadores livres e imigrantes do norte dos Estados Unidos. Era discretamente escravista, pois temia que o fim da escravidão gerasse mão de obra que competisse com o trabalhador nortista. Já o partido Republicano foi fundado em 1854, como uma ação da frente anti-escravista formada por elites industriais e agrícolas do norte, após a guerra civil do Kansas, quando escravistas e anti-escravistas pegaram em armas para definir a legislação daquele estado. Os republicanos, portanto, nasceram com a bandeira da abolição da escravatura, embora nos demais aspectos se assemelhasse aos democratas, especialmente em torno da defesa da liberdade econômica e individual.
No decorrer do século XX, o perfil de cada partido adquiriu novos contornos. Após a crise da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, e da grande depressão econômica que se estendeu até 1933, o partido Democrata incorporou ideias do economista John Maynard Keynes e passou defender o compromisso público com emprego e renda como forma de superar a crise socioeconômica naquele período. Assim, os democratas acoplaram a ideia do capitalismo do bem-estar social à base liberal. O partido Republicano, por sua vez, aprofundou a identidade com o ideário liberal, particularmente o incentivo à iniciativa privada, constituindo, aqui, uma diferença fundamental com os democratas: ambos defendem a liberdade individual, política e econômica, contudo, os democratas admitem ampliar o papel do Estado para garantir o desenvolvimento econômico e social, enquanto que os republicanos mantêm a proposta liberal clássica do Estado não interferir na economia.
Em termos de política externa, os dois partidos adotam estratégias diferentes. Com o aceleramento da globalização após a queda da União Soviética, nos anos 1990, o partido Democrata adotou uma política exterior de afirmar o papel de superpotência dos Estados Unidos a partir do diálogo com parceiros, da valorização de fóruns multilaterais e da terceirização do uso da força. Foi o perfil internacional dos governos Bill Clinton, Barack Obama e Joe Biden, por exemplo. De outro lado, os republicanos buscaram reafirmar o status de superpotência dos Estados Unidos a partir de demonstrações de força militar, de decisões unilaterais e de um certo desprestígio aos fóruns internacionais multilaterais, como se pôde verificar nos governos de George W. Bush e de Donald Trump, por exemplo. O ponto de convergência da política externa proposta pelos dois partidos é a defesa do binômio globalização onde a ênfase é o livre-comércio e neoliberalismo centrado nas regras liberalizantes definidas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial.
O que a vitória de Kamala Harris ou de Donald Trump poderia significar para os americanos e para as relações internacionais? Em âmbito doméstico, a diferença entre o governo de um partido e de outro tem a ver com a relação entre Estado e sociedade civil: para os democratas, cabe ao Estado assumir minimamente o compromisso com bem-estar social e tolerar aumento moderado de carga tributária e de inflação, além de atender demandas de valores progressistas da sociedade; para os republicanos, cabe ao indivíduo o papel de promover desenvolvimento econômico e consequentemente social, sem elevação de tarifas e de inflação, além de dar voz aos valores conservadores e até mesmo reacionários da sociedade. No plano externo, conjunturalmente o governo democrata de Joe Biden optou menos pelo diálogo do que pela guerra nos casos da crise na Ucrânia e na Faixa de Gaza, de modo a considerar que uma eventual vitória de Kamala Harris não modificaria a postura estadunidense de fazer uso unilateral da força e, contraditoriamente, comparecer em fóruns multilaterais sobre clima e desenvolvimento, por exemplo. Já um possível retorno de Donald Trump à Casa Branca poderia significar a retomada do nacionalismo e da retórica ofensiva dos Estados Unidos contra rivais internacionais - como Rússia, China e Irã e contra inimigos internos como estrangeiros. A era de Trump, entre 2017 e 2021, também serviu de referência para a atuação política de grupos extremistas de direita, em diferentes países da Europa e da América Latina, que comungavam da postura xenofóbica, nacionalista, unilateral e truculenta em relação às instituições democráticas e à comunidade internacional.
Democratas e republicanos são, portanto, de direita, sendo o partido Democrata uma direita do bem-estar social aberto a valores progressistas e o Republicano uma direita liberal propícia ao conservadorismo e ao reacionarismo. Ambos optaram por uma postura internacional belicista nos últimos anos. Os republicanos, com Trump, adicionaram discursos e práticas ofensivas contra diferentes povos, culturas, instituições e Estados. Especula-se que com Kamala Harris a possibilidade de diálogo nas relações internacionais possa ser maior, por causa da tradição democrata de maior respeito ao multilateralismo, enquanto que, com Donald Trump, o unilateralismo e o nacionalismo estadunidense estariam de volta.