Neste texto, o professor doutor Mateus Dalmáz explora a confusão gerada pela multiplicidade de siglas partidárias e coligações nas eleições municipais brasileiras, destacando a dificuldade do eleitor em entender as posições políticas dos partidos devido à desconexão entre suas nomenclaturas e os campos ideológicos que representam.
Além disso, há um enfraquecimento dos partidos, levando à personalização das candidaturas e à desinformação do eleitorado, que tende a votar "na pessoa" em vez de no partido. O texto sugere que, para superar essa confusão, é importante analisar a relação proposta pelos partidos entre Estado e sociedade civil, bem como os valores que defendem.
Eleições municipais brasileiras e a confusão das siglas partidárias
Por Mateus Dalmáz, doutor em História
Como se não bastasse a diversidade de candidatos e coligações nas eleições municipais brasileiras, ainda há em uns quantos casos uma sucessão de acusações entre políticos e correligionários, taxando oponentes de extrema direita, extrema esquerda, liberal, conservador, progressista etc. Diante disso, é interessante ficar por dentro das definições de campos políticos e das características dos partidos políticos brasileiros na atual conjuntura.
Desde o século XVIII, surgiram no Ocidente diferentes propostas de relação entre Estado e sociedade civil, as quais se constituíram em distintos campos políticos. Genericamente, pode-se entender que a direita é o campo político que considera que o Estado deve ter o compromisso de colaborar com o desenvolvimento do capital, enquanto que a esquerda defende que o Estado deve ter compromisso maior com as demandas do trabalho. Direita e esquerda se subdividem. Dentro da direita, há campos políticos que consideram que o Estado deve contribuir para o desenvolvimento do capital a partir do compromisso público com emprego e renda (direita do bem-estar social, centro-direita) ou do maior incentivo à iniciativa privada (direita liberal) ou do aumento dos poderes do Estado para eliminar barreiras ao capitalismo (extrema-direita, fascismo). Dentro da esquerda, por sua vez, há campos políticos que consideram que o Estado deve atender demandas do trabalho a partir do compromisso público com emprego e renda (esquerda social-democrata, centro-esquerda) ou com causas exclusivas dos trabalhadores (esquerda trabalhista) ou com a total planificação da economia pelo Estado (extrema-esquerda, socialismo).
Já os termos conservador e progressista tem a ver com princípios existentes na sociedade, os quais são assumidos por partidos políticos. Classifica-se de conservador a defesa de valores tradicionais e o comedimento sobre incorporação de novos direitos na constituição dos Estados. Utiliza-se a expressão progressista para se referir à abertura a novos valores da sociedade e à flexibilidade para incorporação de novos direitos à legislação. Vale frisar que tanto progressistas quanto conservadores sustentam a manutenção de um direito liberal, que considera a potência e o poder da sociedade civil sobre o Estado. Também há, no entanto, valores reacionários, assim chamados por proporem censura e eliminação do que é considerado progressista, admitindo modificar a legislação, ampliar o poder do Estado e substituir a democracia pelo autoritarismo, invertendo, assim, a relação liberal entre Estado e sociedade civil.
No Brasil, as siglas partidárias não costumam ostentar nomes que correspondam aos campos políticos e aos valores que defendem. Isso causa embaraço no eleitor. Há partidos socialistas que são trabalhistas; trabalhistas que são social-democratas; social-democratas que são liberais; liberais que são autoritários. Há ainda progressistas que são conservadores e conservadores que são reacionários. Além disso, as coligações partidárias, a partir da dinâmica plural e heterogênea das disputas políticas municipais, incentivam a migração dos partidos para campos políticos não originais. Qual a consequência disso?
A consequência mais perceptível na cultura política brasileira é o enfraquecimento dos partidos, a banalização das siglas e a personalização das candidaturas. O eleitorado tem preferido votar na pessoa e não no partido, adotando um critério ingênuo de escolha, como se o candidato não representasse os campos políticos dentro dos quais os partidos que o apoiam estão. Assim, ao perceberem tal perfil do eleitorado, os candidatos elaboram campanhas eleitorais baseadas num marketing político que pouco aborda a sigla partidária e investe na biografia do candidato. Outra consequência é o reforço da desinformação do eleitorado sobre política, uma vez que surge um arsenal de definições, caracterizações e pontos de vista sem fundamentação nas mídias interativas. Abre-se caminho, assim, para uma rede de fake news, que se propaga perante um eleitorado confundido pelas siglas partidárias desconexas dos campos políticos. Como filtrar tamanha confusão?
Uma boa maneira é prestar atenção no tipo de relação entre Estado e sociedade civil proposta pelos partidos e nos valores por eles defendidos. Mesmo que o nome dos partidos se refira a um determinado campo político, é de fato a retórica e a prática da sigla partidária que expressarão as matrizes políticas que ela sustenta. Não se trata de uma tarefa fácil por parte do eleitor, porém, necessária para filtrar o que os partidos, o marketing político e a desinformação irresponsável pelas mídias despejam no cotidiano.