Estimativas apontam que 2 milhões de pessoas no Brasil têm doença celíaca, condição autoimune causada pela intolerância ao glúten, proteína encontrada no trigo e em seus derivados. Para os portadores dessa doença, dietas sem glúten são a única maneira de tratar essa disfunção. Porém, os principais problemas com alimentos sem glúten são o baixo valor nutricional, a alta concentração de gordura em comparação aos produtos que contêm glúten e as baixas concentrações de fibras.
Com o objetivo de contornar esse problema, os pesquisadores da Universidade do Vale do Taquari - Univates Lucélia Hoehne e Eduardo Miranda Ethur criaram uma massa de lasanha sem glúten, produzida com o cará-moela (Dioscorea bulbifera), uma Planta Alimentícia Não Convencional (PANC), e avaliaram suas propriedades nutricionais, texturais e sensoriais. O estudo foi publicado na revista Journal of Food Science and Technology.
A pesquisa fez parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da estudante Ani Caroline Weber, do curso de Química Industrial da Univates. Além de Lucélia e Eduardo, professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia, e de Ani, assinam o estudo Daniel Augusto Weber, Bruna Costa, Bruno Rampanelli Dahmer e Sabrina Grando Cordeiro ‒ todos vinculados à Univates.
Metodologia
Os tubérculos foram adquiridos de produtores locais da cidade de Lajeado e transformados em farinha, por meio da secagem dos tubérculos a 55°C, durante 16 horas. Na sequência, a farinha de cará-moela foi misturada com água e ovo em pó, para produzir a massa de lasanha. Foram avaliados o rendimento, a granulometria, a composição nutricional, a bioacessibilidade mineral, a composição de cores, o perfil de textura, a análise microbiológica, a análise sensorial e a análise estatística.
O principal achado do estudo foi a utilização de uma PANC quase desconhecida pela população, que tem um grande potencial na culinária, uma vez que pode substituir a farinha de trigo em diversos produtos.
Os pesquisadores detalham que optaram pela massa de lasanha porque se trata de uma massa que é assada e assim seus nutrientes não se dissolvem na água do cozimento, por exemplo, destacando que é importante, em outras pesquisas, explorar mais o potencial da planta desenvolvendo outros produtos alimentícios, como pães e outras massas. Os pesquisadores estão trabalhando com outras PANCs, para verificar mais potenciais alimentícios e seguir com a linha de pesquisa de alimentos na área da Biotecnologia.
A equipe envolvida com a pesquisa destaca que o tema se torna importante para o desenvolvimento de produtos farináceos, se considerarmos o grande número de pessoas que são celíacas ou têm alergia ao glúten. É possível utilizar a farinha de cará-moela como uma base e adicionar outras farinhas vegetais, inclusive de outras PANCs, visando ao enriquecimento nutricional dos produtos.
Principais resultados
A respeito da composição nutricional da farinha, o cará-moela apresenta características promissoras para seu uso, porque tem baixo teor de gordura e alto teor de fibra dietética. Os valores obtidos para os parâmetros de gordura e fibra em massa de lasanha são, respectivamente, 6 vezes menores e 4,1 vezes maiores do que os presentes em massas frescas com glúten, além de o quê menor teor de carboidratos e menos calorias.
O mineral presente na farinha com maior concentração é o potássio. O alto teor de potássio pode ajudar a reduzir a alta pressão arterial, um importante fator de risco para doenças cardíacas e acidente vascular cerebral. Quanto aos teores minerais de massa de cará-moela, massa de lasanha crua e massa de lasanha cozida, observou-se que, em geral, a massa de cará-moela foi a que apresentou maior fonte nutricional.
Com a pesquisa e o produto desenvolvido obtiveram-se bons resultados em relação à aceitação sensorial geral, mesmo com a substituição completa da massa convencional, mas mais estudos são necessários para melhorar a taxa de aceitação em comparação à massa de lasanha comercial.
Os pesquisadores concluíram que o uso de plantas alimentícias não convencionais, como o inhame, em alimentos e o desenvolvimento de novos produtos têm potencial para ser considerado pelas indústrias alimentícias.