O Big Brother é um formato de reality show que teve origem na Holanda em 1999, criado por John de Mol. A ideia era a de um programa que reuniria pessoas comuns em uma casa fechada, com câmeras espalhadas por todos os lados, para que o público pudesse acompanhar tudo o que acontecia.
O nome "Big Brother" foi inspirado no personagem do livro "1984", de George Orwell, que simbolizava um governo controlador. O programa foi um sucesso na Holanda e, em pouco tempo, foi vendido para outros países, incluindo o Brasil, onde a primeira edição do Big Brother Brasil (BBB) foi ao ar em 2002 pela Rede Globo.
A dinâmica do programa consiste em um grupo de pessoas que são confinadas em uma casa por um período determinado de tempo, geralmente de três a quatro meses, sem acesso ao mundo exterior, enquanto são filmados 24 horas por dia. Os participantes são eliminados por votação do público ou dos próprios colegas de confinamento, e o último que restar na casa é o vencedor.
Desde então, o Big Brother se tornou um fenômeno global, sendo produzido em mais de 50 países ao redor do mundo e adaptado para diferentes culturas e audiências. O programa gera muita controvérsia ao expor a vida privada dos participantes e por muitas vezes mostrar comportamentos considerados inadequados ou ofensivos, especialmente em um contexto de extrema midiatização dos acontecimentos.
Ao longo do tempo, o BBB se tornou uma plataforma para lançar carreiras de celebridades. O BBB é um dos programas de maior audiência da televisão brasileira e costuma gerar bastante polêmica e discussões nas redes sociais e na mídia em geral.
A final da edição de 2023 do BBB é nesta terça-feira, na qual concorrem ao prêmio as participantes Aline Wirley, Amanda e Bruna Griphao. Neste artigo o professor dos cursos de Comunicação da Universidade do Vale do Taquari - Univates, doutor Flávio Roberto Meurer reflete sobre o papel simbólico do BBB na sociedade contemporânea e o que ele pode representar.
Na imagem, países que têm edições do Big Brother, diferentes cores indicam níveis de adaptação da ideia original
Big Brother Brasil e o excesso de real
Flávio Roberto Meurer
Professor dos cursos de Comunicação e Design da Univates
Doutor em Comunicação e Informação pela Ufrgs
Não sei dizer ao certo quando foi que parei de assistir ao Big Brother Brasil. Acho que foi lá por 2011, talvez antes até. E já me perguntei algumas vezes por que o fiz. Minha primeira resposta foi que as edições estavam ficando todas muito parecidas; as coisas se repetiam de ano para ano, ainda que a direção do programa buscasse fazer mudanças nas regras, nos ambientes, nos tipos de participantes. Confesso que não fiquei muito satisfeito com essa resposta que me dei. Será que era por isso mesmo? Diante do programa, havia um desconforto da minha parte que eu não sabia explicar muito bem. Era pesaroso, para mim, acompanhar a saga daqueles personagens que não eram totalmente personagens, pois eram também pessoas reais. E por que eu me sentia assim? Aos poucos desenvolvi a hipótese de que esse incômodo vinha do excesso de real do programa. Quando nos deparamos com um personagem de ficção, nós nos identificamos com ele ou o rejeitamos, mas ele é uma construção. Os personagens do BBB são erráticos. O que eu faria diante daquelas mesmas circunstâncias e condições? Possivelmente nada muito diferente do que fazem os participantes em geral, e o programa me obrigava a me deparar com as limitações da vida humana.
Mas quero deixar de lado o tom confessional que este texto tomou até aqui, para propor a seguinte reflexão: esse excesso de real que me afastou do programa talvez seja, ironicamente, o segredo do seu sucesso. O que me parece - e aí falo como alguém que pesquisou e que tem interesse pela cultura midiática - é que o consumo de realidade tem sido uma tendência cultural muito significativa dos últimos vinte anos. Isso pode ser percebido de maneira mais óbvia pela proliferação de reality shows dos mais variados tipos: competições como BBB e A Fazenda, Masterchef, De férias com o ex ou Casamento às cegas, até programas que se propõem a consertar algo na vida dos participantes - a organização da sua casa, sua maneira de se vestir, seu cuidado com os filhos etc. Até onde é possível confiar na honestidade dos produtores? Temos ali situações reais em que cada participante reage espontaneamente às situações apresentadas?
Porém, é possível notar também em outras manifestações culturais-midiáticas um interesse pelo real, que deve ser entendido aqui como verdadeiro, autêntico, natural. Para explicar melhor a que me refiro, tomo como exemplo o telejornalismo. O assim chamado padrão Globo de qualidade, instituído na emissora a partir dos anos 1970, primava pela formalidade nos seus noticiosos, seguindo o caminho da escola norte-americana de jornalismo. Essa formalidade buscava dar um tom de neutralidade e objetividade aos produtos: o apresentador - como os clássicos Cid Moreira e Sérgio Chapelin - devia apenas reproduzir o texto dos editores, sem comentários, sem erros, sem emoções. Entretanto, no final dos anos 1990, pesquisas como a de Gabriel Priolli e Sílvia Borelli, publicada em A Deusa Ferida: Por que a Rede Globo não é mais a campeã de audiência?, já mostravam um esgotamento dessa fórmula.
O público queria mais espontaneidade, como era o caso, por exemplo, do programa policialesco do concorrente SBT, o Aqui, Agora! Na Globo, essas mudanças aconteceram de maneira gradual e foram aos poucos se incorporando ao seu modo de produção, tendo como carro-chefe o jornalismo esportivo, em que se destaca a figura do apresentador Tiago Leifert. Agora o apresentador já pode usar trajes informais, apresentar o programa de pé, fora da bancada tradicional, fazer comentários, se emocionar e até errar, transformando esse erro, inclusive, em parte da atração, ao se comunicar com a produção por meio do ponto eletrônico. Ou seja, o jornalista passa a ser também um entertainer, pois sua naturalidade e autenticidade o aproximam do público.
Da mesma forma, na publicidade, os garotos e as garotas-propaganda são em parte substituídos pelos influenciadores digitais, personagens das redes sociais de internet que estabelecem um contato mais próximo com o público e mantêm uma conexão mais íntima com seus espectadores/seguidores. É como se essas pessoas manifestassem sua opinião sincera sobre os produtos que divulgam, gerando uma relação de confiança que não poderia ser dada por uma peça publicitária formal, roteirizada, produzida.
E por que essa mudança cultural acontece? Não tenho resposta definitiva para isso, mas penso que se pode levantar a hipótese de que seria uma reação ao desenvolvimento de técnicas de comunicação cada vez mais sofisticadas. Essas possibilidades técnicas nos dão a sensação de que qualquer coisa pode ser produzida artificialmente, e, assim, já não seríamos capazes de distinguir entre o verdadeiro e o falso, entre o natural e o artificial. Uma canção pop, por exemplo, pode ser produzida quase sem a participação de cantores e músicos. Mesmo que o cantor desafine na hora da gravação, é possível corrigir o problema digitalmente.
Se o produtor não tem um guitarrista, pode inserir um som de guitarra eletrônica, além de programar as notas que serão tocadas e como serão tocadas. O aperfeiçoamento técnico ilimitado permitiria toda forma de manipulação, produzindo em nós uma desconfiança, nem sempre explícita, em relação ao que consumimos. Por essa razão, buscaríamos consolo em resquícios de autenticidade que se manifestam na mídia. Uma busca pelo espontâneo como valor necessariamente positivo poderia até mesmo nos levar a votar em um candidato que fala o que pensa, em contraposição a outros que mantêm um discurso de aparências.
O Big Brother Brasil se insere nesse contexto de uma cultura da espontaneidade. Seus personagens, por mais que tenham estratégias dentro do jogo, revelam as fragilidades de quem está submetido a situações de pressão, e sua performance esbarra nos limites da aparência social. Ninguém conseguiria fingir o tempo todo - ou conseguiria? Em todo caso, nós que estamos aqui fora somos confrontados com um roteiro errático que não tem solução no fim, tal como estamos acostumados na ficção. Por mais que a produção tente criar arcos narrativos para os personagens, estes escapam e desafiam. A pergunta continua a ser feita: O que você faria?
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