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É destruidor o picumã odara daquela amapô!

Por Jean Michel Valandro

Postado em 10/03/2023 10:15:57


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Você sabe o que é o pajubá? Pajubá é um dialeto utilizado pela comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil. O pajubá é composto por gírias, palavras e expressões que muitas vezes são derivadas do iorubá, uma língua africana que chegou ao Brasil com os povos africanos que foram escravizados, bem como com termos da cultura queer. Essa linguagem é uma forma de resistência e de construção de identidade da comunidade LGBTQIAPN+.

O pajubá surgiu no final dos anos 80, em meio à cena drag queen carioca, e se espalhou por outras cidades do país. É uma forma de comunicação que permite à comunidade LGBTQIAPN+ se expressar e se reconhecer entre si. O pajubá também pode ser considerado uma forma de resistência e empoderamento, já que é uma língua que surge da necessidade de se proteger em espaços onde a homofobia e a transfobia estão presentes.

O diplomado em Letras Português/Inglês pela Universidade do Vale do Taquari - Univates Jean Michel Valandro, atualmente mestrando em Educação, reflete sobre o pajubá em artigo. Jean pesquisa a interface entre gênero, educação e sexualidade. Confira o texto sobre o tema preparado por Valandro.

É destruidor o picumã odara daquela amapô!

Por Jean Michel Valandro, diplomado em Letras, mestrando em Educação

Caso você tenha entendido algum termo da frase acima, quer dizer que você tem alguma familiaridade com o pajubá. Mas se você não entendeu, não se preocupe, a frase apenas diz o seguinte: O cabelo bonito daquela mulher faz sucesso! O pajubá (ou bajubá, em algumas vertentes) é um dialeto que surgiu da fusão de termos da Língua Portuguesa e elementos linguísticos de grupos étnicos africanos – iorubá, nagô, quimbundo, jeje, quicongo, fom etc. – trazidos ao Brasil por povos que, infelizmente, chegaram em nosso país na condição de escravizados.

Sabendo isso, há que se salientar, contudo, que, para o surgimento do pajubá, dois fatores foram cruciais: o primeiro foi a sobrevivência das línguas supramencionadas, principalmente nos terreiros de religiões de matriz africana; enquanto o segundo foi o fato de que esses templos religiosos sempre acolheram diversas minorias sociais, como a população LGBTQIAPN+. Essa população, principalmente as travestis/transgêneros/transsexuais, utilizavam termos falados dentro dos terreiros para se comunicar umas com as outras na rua, de maneira que quem estivesse perto não entendesse sobre o que elas estavam falando.

Divulgação/Acervo pessoal

Dito isso, é importante saber que essa maneira própria de conversar sem deixar-se entender surgiu, majoritariamente, como forma de resistência a partir de uma fatia da sociedade que estava (e infelizmente ainda está) sujeita a uma série de preconceitos, e que é constantemente relegada a um lugar de subalternidade com relação a outras identidades de gênero e sexuais que são mais aceitas, como a heterossexual. Além das expressões e gírias que formam o pajubá, é interessante dizer que ele também, como diversas outras línguas, compreende uma série de gestos que encerram significados, como, por exemplo, um toque no nariz que pode indicar a existência de perigo por perto (o perigo, neste caso, estaria relacionado àquelas situações que são potencialmente danosas aos indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+, que normalmente é quem mais utiliza esse dialeto).

O parco conhecimento sobre o pajubá – vide a polêmica gerada em torno dessa temática na época em que compôs tema disparador para a escrita da redação do Enem – pode ser explicado por teorias linguísticas. Marcos Bagno, um importante estudioso da área da Sociolinguística, destaca que os dialetos podem ser classificados em dois grupos: aqueles que ocupam lugar de prestígio e os que ocupam o lugar inverso. Do primeiro grupo, por exemplo, podemos citar os dialetos Talian e Hunsrückisch, que derivam de línguas e de grupos étnicos que possuem certo prestígio social. Já no segundo grupo entraria o pajubá, cujos falantes, como já mencionei, estariam inseridos em um lócus social de subalternidade. Tal divisão, para Bagno, significa que o preconceito linguístico que se tem com relação a certos dialetos está entranhado, primeiramente, nos preconceitos sociais que se tem com relação a certas formas de ser, agir e expressar-se em sociedade, ou seja, com relação à identidade sexual, classe econômica e raça.

Afinal, o próprio Bagno (2014, texto digital) afirma que, “como todo preconceito, o linguístico é a manifestação, de fato, de um preconceito social, porque o que está em jogo não é a língua que a pessoa fala, mas a própria pessoa como ser social”. Assim, “rejeitar a língua é rejeitar a própria pessoa e a comunidade de que ela faz parte” (BAGNO, 2014, texto digital).

Apesar disso, esse dialeto de que falamos encontra espaços de resistência, principalmente em meio a elementos artísticos, por meio dos quais se expressa enquanto movimento cultural que quer problematizar o projeto político-social brasileiro e dar visibilidade a subjetividades diversas. Exemplos disso são iniciativas como o dicionário de pajubá Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense. Além disso, no campo da música, várias artistas travestis e transgêneras têm utilizado o dialeto em suas criações, como Linn da Quebrada, Majur, Jup do Bairro, Mulher Pepita e Mc Xuxú.

Ainda, dou destaque ao primeiro trabalho do Brasil sobre esse dialeto: Pajubá: o código linguístico da comunidade LGBT, de Barroso (2017), que se dedica a estudar o pajubá por um viés etnolinguístico. Por fim, não poderia deixar de citar a ilustre Doutora em Literatura pela Unicamp e escritora Amara Moira, que escreveu seu livro “Neca + 20 poemetos travessos”, de 2021, inteiramente em pajubá.

Rob Maxwell/Unsplash

O conteúdo e as opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de seu autor. 

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