O professor Ney José Lazzari, hoje presidente da Fundação Univates e ex-reitor da Universidade do Vale do Taquari - Univates, completa, no dia 1º de março de 2023, quatro décadas de trabalho na Instituição. O gestor foi presidente da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc) no período 2020-2021; foi presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) no período de 2008 a 2015; foi presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento do Vale do Taquari - Codevat, no períodos de 1992 a 1995 e de 2001 a 2013; integra desde o ano 2000 a diretoria do hospital comunitário de Lajeado - Hospital Bruno Born. Foi reitor da Univates por cinco gestões ‒ 2000, 2004, 2008, 2012 e 2016 ‒ e acompanhou de perto o desenvolvimento do Vale do Taquari. Lazzari é formado em Economia pela Univates na turma de 1982 e é mestre em Gestão Universitária pela Universidade São Marcos de São Paulo.
Neste artigo, ele analisa perspectivas históricas da região do Vale do Taquari, características econômicas e culturais e possibilidades para o futuro local a partir do ponto de vista de quem trabalha, ao longo das últimas quatro décadas, pelo desenvolvimento regional.
Vale do Taquari: passado, presente e perspectivas para o futuro
Por Ney José Lazzari
O último século e meio tem sido marcado pelas grandes transformações, que produziram o que conhecemos hoje como a região do Vale do Taquari. Um século e meio é um tempo ínfimo quando comparado ao tempo histórico de povos africanos, asiáticos ou europeus. Sim, o Vale também teve seus povos originários, que foram levados à força ou mesmo expulsos deste território, processo que se intensificou no último século e meio.
Aliás, até nos padrões do Novo Mundo, o modelo de desenvolvimento econômico e social do Vale do Taquari no último século e meio tem se mostrado pujante e baseado em profundas e rápidas transformações. Poucas regiões no mundo se transformaram tanto em tão pouco tempo. Quantas regiões possuem estruturas de comunicação e transporte, de saúde e bem-estar, de educação e pesquisa, de cultura e lazer como as disponíveis no Vale do Taquari? Claro que há outras regiões ainda melhor servidas, mas com histórias e tradições bem diferentes e, em muitos casos, baseadas na produção de bens ou serviços altamente demandados pelos consumidores espalhados pelo mundo, como petróleo, turismo, tecnologia etc.
O modelo histórico de desenvolvimento adotado no último século e meio pelo Vale do Taquari sempre teve como pano de fundo as características da população vinda de regiões empobrecidas da Europa e que aqui se estabeleceu, conjugadas com as características das terras e a vinculação com os mercados mais desenvolvidos demandantes do que aqui se produz. A população europeia que aqui se estabeleceu trouxe também valores que estão enraizados nesta sociedade: a propriedade privada da terra, o trabalho, a família e a religião são as bases para a construção deste espaço temporal com suas nuances próprias.
[Na imagem, Ney Lazzari quando ocupava o cargo de Diretor Geral, na década de 1990.]
A pequena propriedade rural, com características específicas que exigem o adequado manejo e a dedicação familiar para a produção de alimentos de qualidade, passa a atender ao incipiente mercado local e também a mercados mais distantes, sejam eles nas charqueadas, na região da Serra ou na região metropolitana de Porto Alegre. Esse modelo de produção, com o passar do tempo, leva a economia local a um novo patamar com a intensificação da produção de alguns alimentos específicos, especialmente os de proteína animal como leite, carnes de aves e de suínos e ovos.
A região, integrada nas cadeias mundiais de produção, embora não elabore algo altamente qualificado, com alto valor agregado, se estabeleceu como fornecedora de alimentos com altos valores proteicos. Alguns mercados nacionais e mundiais hoje são atendidos com produtos que têm origem no Vale.
Essa forma de produção fez surgir na região um modelo de integração entre o rural e o urbano altamente interligado. São inúmeros pequenos municípios, com seus pequenos centros urbanos, aptos para a intermediação comercial de insumos e serviços necessários ao meio rural. Enquanto no meio rural, na pequena propriedade familiar, são produzidas as matérias-primas para as agroindústrias localizadas perto dos centros urbanos, os centros urbanos disponibilizam os insumos e possibilitam às populações rurais o acesso aos bens e aos serviços típicos de consumidores urbanos.
A linha que separa a produção e o consumo rural e os típicos bens de consumo urbano acaba por ficar cada vez mais tênue e faz com que, numa região relativamente pequena como a do Vale do Taquari, haja em torno de 40 sedes de municípios ou pequenas zonas urbanas, sendo que mais de 20 delas contam com menos de 5 mil habitantes cada uma. Todos, residentes urbanos ou rurais, usufruindo de padrões de consumo muito semelhantes, cenário bastante diferente do verificado nesta mesma região há algumas décadas.
Outra característica social que emerge desse modelo de desenvolvimento são as entidades ou organizações da sociedade civil criadas para a superação dos desafios enfrentados ao longo do tempo. Num primeiro momento, não é o Estado, mas a própria sociedade que busca e cria alternativas para resolver seus principais gargalos econômicos e sociais. Assim, o cooperativismo, o associativismo e a integração comunitária são responsáveis por inúmeras iniciativas, sejam elas no enfrentamento de questões puramente econômicas ou iniciativas ligadas à saúde, à educação e ao bem-estar social.
Neste espaço do Vale do Taquari, as cooperativas agroindustriais, de crédito, de saúde, juntamente com as entidades comunitárias que mantêm hospitais, escolas e a universidade, clubes sociais e de lazer, são as principais organizações que dão dinamismo não só econômico, mas também social.
[Na imagem, reunião que referendava Ney Lazzari como reitor em 1999.]
Pequena propriedade familiar, produção de alimentos com qualidade, iniciativas comunitárias para a resolução de problemas e ética do trabalho são instituições e valores que compõem as bases em que se alicerça o Vale do Taquari. Essas características são, ao mesmo tempo, as molas propulsoras para o desenvolvimento da região e as travas para que o Vale dê grandes saltos. Há um processo que avança de forma relativamente constante e sólida, sem grandes rupturas ou sobressaltos. Esse modelo, com sua dinâmica interna, se retroalimenta e se manterá nesse padrão relativamente confortável enquanto fatores externos não o põem em cheque. Mas até quando?
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