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Xavier Cabrera/Unsplash

As datas que nos movem para o consumo

Postado as 14/11/2022 15:29:59

Por Por Prof. Dr. Marlon Dalmoro

A Black Friday é o dia que inaugura a temporada de compras de Natal em diferentes partes do mundo, com significativas promoções de lojas de todos os segmentos para atrair compradores. É um dia depois do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos, ou seja, celebra-se no dia seguinte à quarta quinta-feira do mês de novembro. Em 2022 a Black Friday é no dia 25 de novembro. 

Não há dúvida de que datas especiais rompem com a rotina. Quem não acorda diferente no dia do seu aniversário? Existem pessoas que gostam de ouvir “feliz aniversário”, outros não gostam e passam o dia de mau humor pela constante lembrança de estarem ficando mais velhos naquelas 24 horas. Diferentes sentimentos são produzidos em diferentes datas. 

Há datas especiais para todos os credos. Tem aquelas que servem para lembrar os momentos bons, como um novo ano, e tem aquelas que servem para não esquecer os erros humanos. Agora, as datas mais difíceis de esquecer são aquelas que nos lembram de consumir. Afinal, o Dia das Mães é logo ali, não esqueça o presentinho para sua mãe querida! O segundo domingo do mês de maio é a segunda principal data para o varejo no Brasil em termos de volume de venda. Data essa que perde apenas para o Natal, afinal, mãe só tem uma, lembrancinhas de final de ano são várias. 

A explicação do poder das datas em nos lembrar de muitas coisas, inclusive de consumir, reside no fato de que elas são performativas. Como já explicava John Austin no seu clássico livro “Quando dizer é fazer”, a performatividade das palavras permite fazer coisas com elas. Assim, um enunciado como “declaro marido e mulher”, pronunciado por um sacerdote ou um juiz de paz, não está apenas descrevendo um ato, mas praticando um ato por meio da linguagem. Podemos usar essa mesma noção para uma data especial. O enunciado “Dia dos Namorados” não está apenas descrevendo o dia 12 de junho, mas configurando a terceira data mais importante do varejo em volume de vendas, que lota restaurantes e limpa o estoque das floriculturas. 

Bernard Hermant/Unsplash

 

De forma imediata, poderíamos associar a performatividade dessas datas que nos levam ao consumo a uma ressignificação do enunciado de acordo com transformações das práticas sociais. A Páscoa agora não só configura o renascimento para um cristão, mas também configura um período de compra de chocolates. Mais interessante é observar como a performatividade das datas especiais afeta o mundo socialmente constituído a partir de enunciados exclusivamente associados ao consumo. Em 2022, uma dessas datas é o dia 25 de novembro. Não se trata apenas de uma sexta-feira na qual pessoas serão declaradas casadas, outras irão celebrar aniversário. 

Ao associar o enunciado Black Friday a essa data, ela descreve algo que funciona como uma forma de condução da ação social. Uma data que lembra que devemos correr para a internet para “aproveitar ofertas” que nós mesmos desconfiamos não serem “ofertas”, que os profissionais de marketing devem criar anúncios com essas ofertas incríveis, que os operadores logísticos devem se preparar para movimentação recorde de pedidos, os profissionais de Tecnologia de Informação devem garantir que os consumidores consigam acessar as supostas ofertas. Pronto, Black Friday se torna a principal data do varejo on-line no Brasil. 

Assim como até pouco tempo atrás não havia o enunciado “loja virtual”, ninguém era movido ao consumo on-line por uma simples sexta-feira até ela virar “Black Friday”. A performatividade da data não está apenas em lembrar consumidores de que eles podem encontrar bens de consumo com supostos descontos. Ela lembra o consumidor de como ele deve se comportar e aproveitar as ofertas imperdíveis para comprar on-line.

Curioso também é pensarmos como esses enunciados são criados e se tornam performativos. Certamente não podemos culpar uma pessoa por criar uma data que nos faz comprar coisas de que não precisamos com descontos que não necessariamente são reais. São as próprias práticas de mercado, reproduzindo subjetividades de profissionais de marketing, publicitários e consumidores, que moldam a realidade. 

Então, quando um publicitário cria uma campanha publicitária falando em 70% de desconto na Black Friday, não se trata apenas de anunciar a promoção, mas criar um enunciado que manifesta a intenção de agência do publicitário em motivar os consumidores a adquirir os produtos em promoção. Quando o consumidor compartilha num grupo de WhatsApp a mesma promoção, ele também está praticando uma agência capaz de criar um efeito transformador. Quando diferentes agências foram direcionadas para o mesmo efeito, pronto, Black Friday ganhou um efeito performativo. 

Divulgação/Univates

Agora, essa performatividade das datas pode auxiliar as pessoas a lembrar de coisas mais importantes do que comprar uma TV nova com desconto? Temos exemplos como o Dia Mundial da Alimentação Saudável no dia 26 de outubro, ou não só um dia, mas um mês para lembrar de algo importante, como o Outubro Rosa e o seu efeito performativo, configurando o aumento no número de exames preventivos de câncer de mama. Somam-se inúmeros outros exemplos: Novembro Azul, Dia da Consciência Negra, Semana do Meio Ambiente etc. 

 

O efeito performativo das datas nos lembra e nos conduz à lembrança de que estamos ficando velhos, a cuidarmos da nossa saúde, a renovarmos as esperanças por dias melhores, renovarmos a nossa fé, mas, na sociedade do consumo, inevitavelmente, também ao consumo. O bom é que a própria concepção de performatividade nos ajuda a lidar com isso, visto que não é o fato de a data existir que determina nosso comportamento enquanto consumidor. São as pessoas que aprendem a se comportar de maneira específica para se encaixar na data que remete ao consumo. Datas não apenas descrevem um período especial, mas também permitem praticar a própria data. Talvez isso a torne tão especial. 

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