Recentemente, os pesquisadores Noemi dos Reis Corrêa e Luís Fernando da Silva Laroque publicaram um estudo sobre o contato entre os indígenas Enawene Nawe e os territórios Inoti às margens do rio Juruena, no Mato Grosso. A pesquisa deriva da dissertação desenvolvida por Noemi para a obtenção do título de mestra no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates. O estudo foi publicado na revista científica Sociedade e Natureza.
O trabalho teve como propósito analisar as frentes expansionistas do Estado brasileiro e o processo de contato envolvendo fronteiras culturais e étnicas com os indígenas Enawene Nawe nos territórios do alto rio Juruena, localizado no noroeste do Mato Grosso. O estudo configurou-se em uma pesquisa de cunho histórico na perspectiva social e baseado em fontes documentais, visando à reconstrução histórica dos acordos e desencontros entre os povos Enawene Nawe e Inoti (brancos).
A pesquisa traz não apenas fatos históricos, mas também apresenta o povo Enawene Nawe como sujeito ativo na construção de sua história. O estudo também acrescenta reflexões importantes sobre identidade e etnicidade, demonstrando como o choque de identidades contrastantes pode reafirmar a identidade de um povo. O contato interétnico trouxe aos Enawene e à sociedade não indígena a possibilidade de interação social, bem como trouxe aspectos reveladores das diferenças sociais e culturais, a afirmação de identidades contrastivas.
A análise foi realizada a partir da pesquisa e da apresentação dos relatos registrados no diário de campo do Padre Vicente Cañas, no qual o autor apresentou com riqueza de detalhes o cotidiano do povo Enawene Nawe na década de 1970. Padre Vicente Cañas registrou em seu diário não apenas as percepções dos não indígenas sobre o contato, mas também destacou as impressões e reações dos indígenas do povo Enawene Nawe que viviam na aldeia durante o contato. Nesses relatos, o padre retratou sua convivência diária com eles e a luta pela demarcação do território, uma das consequências do contato com os não indígenas e as frentes expansionistas.
Destaques e implicações do estudo
Na análise dos dados, os pesquisadores trabalharam com discursos e narrativas que revelam o contato e os contrastes de mundos, valores e crenças, buscando perceber a perspectiva Enawene por meio da interação social com grupos não indígenas, conflitos e alianças, bem como a luta para demarcação do território.
O trabalho Fronteiras Culturais e Étnicas, envolvendo o processo de contato entre os indígenas Enawene Nawe e os Inoti em territórios altos do rio Juruena, no Mato Grosso (MT), representa um registro importante do processo colonizador do município de Juína/MT na perspectiva das relações interétnicas, descreve Noemi.
Procuramos retratar o processo histórico dos contatos envolvendo as frentes expansionistas sobre os territórios indígenas do rio Juruena, bem como os contrastes da comunidade Enawene, sua experiência histórica, suas interpretações e concepções de vida e de mundo, explica. Essas reflexões são importantes para compreender as dinâmicas sociais e os conflitos desencadeados nos anos posteriores aos contatos e que seguem ocorrendo nos dias atuais.
Retratar nesse estudo como se deu a construção das relações entre indígenas e não indígenas, como foram os primeiros contatos e os contrastes que ambos observaram ao estabelecerem essa relação, é fundamental para entender a dinâmica dessas relações e seus desdobramentos. Dessa forma, descrever, analisar e propor reflexões sobre o processo histórico de construção de uma sociedade ajuda na compreensão de seus elementos culturais, das relações estabelecidas e como se constituíram, o que contribui para entender melhor essa sociedade, justifica Noemi.
Assim como ocorreu nas demais regiões do Brasil, o processo de colonização e de consolidação de áreas do alto rio Juruena e do Projeto Juína significa um marco de luta para os povos indígenas desse território. No que se refere aos Enawene, aprender as regras do jogo do discurso e da retórica dos não indígenas, além de uma necessidade, é também uma estratégia de sobrevivência no mundo regido pela lógica ocidental capitalista, no qual imperam conflitos, práticas de violência, jaguncismo, escravidão por dívidas, entre outros descasos com a vida humana.
Observamos que as evidências históricas denunciam por si só o processo da frente pioneira no município de Juína e nos demais, cujos resultados são devastadores. Os conflitos territoriais e a desvalorização da cultura e da riqueza interétnica ficam elucidados diante do processo histórico dos municípios, conclui Noemi.
A história é sempre contada na perspectiva do colonizador. Portanto, é fundamental elucidar o processo de forma a evidenciar não apenas a participação de um grupo étnico. Os Enawene Nawe não são vítimas do processo colonizador. Apesar das injustiças vivenciadas, lutaram e ainda lutam pelo seu jeito de ser, viver e compreender o mundo, finaliza a pesquisadora.