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Pesquisa

Pesquisador diplomado pelo PPGAD da Univates lança livro sobre seu estudo de mestrado

Por Lucas George Wendt

Postado em 05/08/2022 13:30:16


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Apresentada em 2013, a dissertação de mestrado “Floresta, capital social e comunidade: imigração e as picadas teuto-brasileiras (1870-1920)”, de autoria de Eduardo Relly, foi construída no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates. O estudo foi revisto recentemente e publicado em forma livro, com o título “Sob a sombra dos commons: capital social, meio ambiente e imigração alemã no Brasil meridional”. A obra foi publicada pela editora Oikos. 

Fundamentada em um estudo de caso da comunidade de Picada Felipe Essig (1870-1920), localizada no município de Travesseiro/RS, a pesquisa almejava evidenciar o processo de construção socioambiental da localidade a partir dos mecanismos culturais presentes no capital social da vida comunitária teuto-brasileira. No momento, Relly é pesquisador pós-doc na Friedrich-Schiller-Universität Jena, da Alemanha. Ele faz parte de um grupo de pesquisas que examina mudanças estruturais da propriedade no mundo contemporâneo. 

Capa obra

Divulgação/Editora Oikos



O autor discute a obra

“Ao fim do mestrado, cheguei a algumas conclusões sobre o fenômeno que estudei, ou seja, o tipo de economia política que existia em geral nas comunidades teuto-brasileiras que se instalaram no Sul do Brasil”, explica o pesquisador. No seu estudo, ele se propôs a tentar mudar a perspectiva que se tinha das condições de instalação das comunidades teuto-brasileiras. 

“Acreditava-se que as condições de encontro com a sociobiodiversidade brasileira tinham arrojado os alemães em um nível de deterioração cultural e comunitária, que destoava das condições de vida na Alemanha. Esse argumento, além de preconceituoso, escondeu o fato de que a vida numa fronteira agrária dos séculos XIX e XX era eivada de trocas e aprendizados”, esclarece. 

Para fazer a transição de camponês-proletário europeu para colono era necessário baixar os custos fixos dessa mudança, ou seja, o trabalho de colonizador na Mata Atlântica. Para compreender o que aconteceu, Relly buscou nas origens, na Alemanha, as respostas para o que se desenvolveu no Sul do Brasil. “Por séculos, o mundo camponês alemão viveu sob formas de propriedade comunal, em que a aldeia rural era o formato político-cooperativo que permitia a gestão dos recursos em comum. Explico: até o início do século XIX não existia propriedade privada do solo como temos hoje, tampouco existia propriedade privada dos recursos da floresta (fonte de energia da época). Os recursos agrícolas na Alemanha daquela época, principalmente no quadrante sudoeste (ao longo do rio Reno, por exemplo),  eram regulados, em geral, pela própria comunidade rural. Esta restringia também a liberdade de comércio de seus membros com o ‘mercado’, pois este último poderia desestabilizar a estrutura comunal e gerar stress institucional e social. Os príncipes toleravam e até incentivavam as associações rurais ou, melhor, os commons agrícolas. Na virada do século XVIII para o XIX, a recepção do liberalismo na Alemanha e a eclosão da revolução francesa, todavia, convenceram a maior parte das elites políticas em acabar com esses sistemas em prol do individualismo agrário. As privatizações da terra ganharam fôlego e geraram os proletários das nascentes indústrias além de milhões de migrantes empobrecidos”, explica o pesquisador.

Divulgação/Acervo pessoal

Eduardo Relly

Eduardo Relly

“Importante dizer, no sentido de não confundir conceitos políticos relevantes, que a gestão comunal de que falamos não implicou a ideia e a prática do socialismo real como observado nas experiências dos séculos XX e XXI, uma vez que a propriedade em si se encontrava democratizada entre os agentes diretos da produção; o Estado tinha seu papel, evidentemente, mas não administrava os commons rurais. Vale ressaltar que a propriedade comunal (commons) oferecia formas precisas de sobrevivência, que eram baseadas em soluções coletivas e vinculadas à manutenção da ecologia local. Era uma economia casada com o sistema social e ecológico. Nesse sentido, é diferente do mundo em que vivemos hoje, haja vista a total desvinculação do sistema econômico com a ecologia, por exemplo”, complementa Relly. 

O pesquisador argumenta que arcar com os custos da vida cotidiana na colônia era muito caro para os indivíduos sozinhos ou para uma família apenas, de forma que a dinâmica de ocupação que se estabeleceu se valeu das relações em comunidade, o que é diferente daquilo que se propaga como perspectiva histórica. “Na picada teuto-brasileira, embora as terras fossem privadas, alguns elementos de produção como o trabalho foram mais ou menos comunalidades. Um vizinho podia ajudar o outro, com a expectativa também de ser ajudado. Em geral isso é também válido para nossos dias, mas o mercado, a competição e a acumulação capitalista tendem a desmontar essas previsibilidades. Essa economia moral caiu vítima da economia individualista própria ao capitalismo”, descreve Relly.

“O capital social e a confiança, nutridos e alimentados pelo sistema de commons na Europa e reproduzido no Brasil, talvez nos permitam dizer que os alemães não eram modernos no sentido teórico. Ou seja, as teorias de modernização e a própria historiografia pintaram um quadro ‒ em geral apologético ‒ em que os alemães eram agentes da modernidade social e econômica. Embora seja bastante difícil traçar uma linha sobre o que é a modernidade, me atrevo a dizer que muitos colonos e colonas da Alemanha queriam simplesmente tocar suas vidas dentro da estrutura comunal e comunitária”, explica o pesquisador. 

Reprodução - Google Maps

Captura de tela da atual localizade de Picada Felipe Essig

O que ele quer dizer é que o sistema social de picada teuto-brasileiro (costumes, tradições, símbolos, espacialidade etc.) andava próximo ao sistema de extração de recursos, que eram quase sempre agropecuários. “Por outro lado, percebo que essa interpretação que se faz não é única aos alemães. Povos indígenas e comunidades tradicionais viviam (e vivem) sob esse sistema imbricado de captação e distribuição de recursos, mas foram expulsos pelo ímpeto da colonização, que pretendia fazer as relações capitalistas avançarem. Logo, os alemães e os personagens que os trouxeram ao país terminaram com o capital social dos povos locais, uma vez que a base cultural-econômica desses grupos era centrada na terra”, descreve. 

Para o pesquisador, o PPGAD foi importante para estabelecer as bases da obra recente. “Foi um fórum importante para analisar fenômenos na intersecção da natureza e da cultura. Tive também a liberdade de propor o tema de pesquisa e fazer a investigação necessária. As aulas de ecologia e as discussões sobre o desenvolvimento sustentável e alternativas ao desenvolvimento sustentável foram muito importantes. Também fiz amigos e recordo com muita saudade das aulas e dos momentos que vivi”. 

“Sobre o trabalho em si, creio que ele tenta construir também uma teoria sobre a picada teuto-brasileira. Os alemães, de algum modo, criaram uma economia relevante, mas, do ponto de vista do projeto do capitalismo brasileiro, pelo menos no período 1824-1950, no meio rural, as comunidades teuto-brasileiras teceram um sistema econômico-agrário capaz de levantar questões sobre o desenvolvimento agrícola do Brasil atual”, detalha Relly. 

“É complexo acompanhar, por exemplo, o desenvolvimento do agronegócio atualmente (muito dele operado por descendentes de alemães e outros povos europeus emigrados) e perceber como ele se distanciou do modelo de agricultura familiar e comunitária que existia outrora. Os avós e bisavós dos atuais operadores do agro iriam, no mínimo, considerar essa forma de agricultura totalmente alienígena às suas experiências. O mundo que eu descrevi era muito diferente, embora houvesse graves problemas como o colonialismo interno em relação aos povos locais. De toda a maneira, na picada teuto-brasileira, o sistema social era relevante para se fazer economia. Gostaria que a obra levantasse a discussão de uma agricultura de face humana e estruturada nas ecologias locais. Há toda a questão ecológica e social que merece ser discutida”, complementa. 

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