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Artigos

O que é a varíola dos macacos?

Por Gabriel Cardozo Müller

Postado em 20/07/2022 10:24:25


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Recentemente, houve um aumento nos casos da doença conhecida como varíola dos macacos [1], mas, em geral, pouco se fala sobre diversos aspectos relacionados a essa doença viral.

Inicialmente, é interessante estabelecer alguns conceitos para compreender melhor os aspectos fisiopatológicos e epidemiológicos dessa doença, como, por exemplo, o fato de ela ser causada por um vírus, ou seja, um micro-organismo que não necessariamente pode ser classificado como forma de vida, composto por algum tipo de ácido nucleico (como o nosso DNA) e um capsídeo (uma espécie de “cápsula”). 

A varíola dos macacos é causada por um tipo de Orthopoxvirus, da família Poxviridae [2], inicialmente encontrado na África Central e Ocidental, geralmente nas proximidades de florestas tropicais. Contraintuitivamente, seu hospedeiro natural não é o macaco, ainda que a doença tenha sido inicialmente descoberta e tenha capacidade de infectar primatas não humanos. Esse vírus também infecta esquilos, ratos e outras espécies de roedores. Além disso, não é uma doença “nova”, diferentemente da covid-19, tendo sido descoberta em meados da década de 1970 [3], na República Democrática do Congo, e apresentado surtos esporádicos em países como Serra Leoa, Gabão e Costa do Marfim na década de 1990 [4], por exemplo. Ainda assim, suas verdadeiras taxas de letalidade não foram completamente estabelecidas, tendo em vista que, apesar de já terem sido reportados casos nos Estados Unidos e no Reino Unido desde 2003, esses foram poucos e geralmente relacionados a viajantes, sendo considerados não endêmicos [5].

Especificamente, no mês de maio de 2022 foi detectado o aumento de casos da doença em diversos países, incluindo o Brasil (ver figura abaixo, adaptada livremente do relatório da Organização Mundial da Saúde ‒ OMS). Ainda assim, sabe-se que há uma baixa taxa de letalidade associada, em contraste com a varíola (uma das doenças virais com maior número de óbitos na história da humanidade) [6].

Adaptado de Organização Mundial da Saúde: Multi-country monkeypox outbreak: situation update.

Adaptado de Organização Mundial da Saúde: Multi-country monkeypox outbreak: situation update.

Sinais e sintomas

A varíola dos macacos é uma doença autolimitada, com uma pequena proporção de casos severos, os quais geralmente ocorrem em crianças ou imunocomprometidos [7]. Seus sintomas mais comuns incluem febre, cefaleia (dor de cabeça) intensa, dores nas costas e mialgias (dores musculares) [5, 7]. 

Além desses sintomas comuns em doenças virais, também podem ocorrer inchaços em nodos linfáticos e erupções na pele, mais concentradas em regiões como face e extremidades, podendo evoluir para lesões planas ou mesmo vesiculares (ou seja, contendo líquido em seu interior).

O diagnóstico consiste na identificação de sinais e na coleta de material para diagnóstico molecular, por meio da metodologia de PCR em tempo real (sendo a Fundação Oswaldo Cruz a atual referência no Brasil para diagnóstico desses casos) [8].

Tratamento/prevenção

Patologias causadas por este tipo de micro-organismo ‒ os vírus ‒ são extremamente difíceis de serem curadas por meio de tratamentos farmacológicos, sendo um clássico exemplo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids/Sida), causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), que pode ser tratada somente com um complexo esquema de medicações antirretrovirais [9]. A melhor estratégia para erradicar doenças virais é a imunização por meio de vacinas, como podem ser vistas no gráfico abaixo as tendências relacionadas à redução de casos e de mortes após a introdução de estratégias de vacinação de poliomielite [10].

Adaptado de Pollard et al. [10].

Acervo pessoal

Gabriel Cardozo Müller

Gabriel Cardozo Müller

Em geral, a terapêutica consiste em medicações para aliviar os sintomas e prevenir sequelas em longo prazo [7]. Além disso, há propostas de antivirais para o tratamento dessa doença, porém seu grau de evidência é baixo (não passou por estudos mais robustos, como ensaios clínicos randomizados) e sua distribuição e produção são limitadas. Por outro lado, indivíduos previamente vacinados com a vacina da varíola já apresentam algum grau de proteção, ainda que, devido à erradicação dessa doença, essas vacinas não estejam mais disponíveis para o público em geral. Ainda assim, algumas formulações de vacinas específicas para algumas variantes da varíola dos macacos já estão disponíveis desde 2019, com doses limitadas. 

Riscos 

Cabe ressaltar que, conforme relatórios da OMS, o risco dessa patologia é considerado moderado [11], especialmente pelo fato de que provavelmente há mais casos que notificados, bem como a baixa quantidade de diagnósticos laboratoriais, porém essa doença apresenta maior risco para os grupos mais vulneráveis, como imunocomprometidos [7]. Ainda assim, algumas taxas de letalidade podem estar superestimadas, especialmente devido a fatores de confusão relacionados ao acesso a serviços de saúde e à reduzida vigilância epidemiológica da varíola dos macacos. Nos países com novos casos, até o momento não ocorreram óbitos decorrentes dessa doença.

Referências 

[1] BRASIL M da S. Varíola dos macacos. 2022. https://bvsms.saude.gov.br/02-6-variola-dos-macacos/.

[2] Bunge EM, Hoet B, Chen L, Lienert F, Weidenthaler H, Baer LR, et al. The changing epidemiology of human monkeypox ‒ A potential threat? A systematic review. PLoS Negl Trop Dis. 2022;16:1-20. doi:10.1371/journal.pntd.0010141.

[3] Breman JG, Ruti K, Steniowski M V. Human monkeypox, 1970-79. Bull World Health Organ. 1980;58:165-82.

[4] Damaso CR. The 2022 monkeypox outbreak alert: Who is carrying the burden of emerging infectious disease outbreaks? Lancet Reg Heal - Am. 2022;13:100315. doi:10.1016/j.lana.2022.100315.

[5] Reed KD, Melski JW, Graham MB, Regnery RL, Sotir MJ, Wegner M V., et al. The Detection of Monkeypox in Humans in the Western Hemisphere. N Engl J Med. 2004;350:342-50. doi:10.1056/NEJMoa032299.

[6] Reynolds MG, Damon IK. Smallpox. Int Encycl Public Heal. 2017;:524-33.

[7] World Health Organization. Clinical Management and Infection Prevention and Control for Monkeypox. Interim rapid response guidance, 10 June 2022. 2022; June:76.

[8] Cruz FO. Monkeypox: Opas, MS e Fiocruz promovem capacitação na América Latina. 2022. https://portal.fiocruz.br/noticia/monkeypox-opas-ms-e-fiocruz-promovem-capacitacao-na-america-latina.

[9] Kuznik A, Iliyasu G, Habib AG, Musa BM, Kambugu A, Lamorde M. Initiation of antiretroviral therapy based on the 2015 WHO guidelines. Aids. 2016;30:2865-73.

[10] Pollard AJ, Bijker EM. A guide to vaccinology: from basic principles to new developments. Nat Rev Immunol. 2021;21:83-100. doi:10.1038/s41577-020-00479-7.

[11] WHO. Surveillance, case investigation and contact tracing for Monkeypox. 2022; June:1-7. https://apps.who.int/iris/handle/10665/354486.

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