O perfil familiar contemporâneo brasileiro tem demonstrado mudanças expressivas. A partir do Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é legitimado o modelo de multiparentalidade. Assim a jurisdição reconhece filiação de paternidade biológica e socioafetiva, ou seja, a criança que tem dois pais e duas mães ou mais, denomina-se como família multiparental. Segundo uma pesquisa realizada pela estudante Amanda Izabel Lauxen, do curso de Direito da Universidade do Vale do Taquari - Univates, os índices de registros de nascimento com filiação multiparental, nos municípios do Vale do Taquari, durante os anos de 2019 e 2020, são considerados baixos em relação à quantidade de registros de nascimento.
No estudo Multiparentalidade: os índices de registro de nascimento no Vale do Taquari nos anos 2019 e 2020 e os aspectos jurídicos na sucessão hereditária, a acadêmica Amanda conceitua família multiparental, quando há pais não biológicos, como é o caso do processo de adoção. No Brasil, a filiação socioafetiva foi reconhecida na Constituição Federal de 1988, quando passaram a ser aceitos outros modelos de família, além do patriarcal, explica.
Para sua pesquisa, Amanda coletou dados de dez municípios da região: Lajeado, Encantado, Taquari, Nova Bréscia, Marques de Sousa, Pouso Novo, Colinas, Imigrante, Poço das Antas e Sério, tendo constatado que, entre esses municípios, seis não apresentaram nenhum registro multiparental em 2019 e 2020. Acredito que a tendência seja aumentar o índice de registros multiparentais. Na prática existem muitos casos, mas poucos são formalizados juridicamente, afirma.
Conforme o levantamento de dados da pesquisa, Lajeado foi a cidade que mais teve registro de nascimento com multiparentalidade em 2019 e 2020. O Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN) de Lajeado, teve 1425 nascidos e registrados na cidade, desse total apenas 18 foram reconhecidos com filiação multiparental. Em 2020, o RCPN do município chegou a 1261 nascidos em Lajeado, mas apenas 15 com registro multiparental. Os índices de registros de nascimento com multiparentalidade demonstram a realidade no que tange à formação familiar e as mudanças na sociedade, revela Amanda.
Para a orientadora do trabalho, professora Leila Viviane Scherer Hammes, a pertinência do estudo desenvolvido por Amanda para a área do Direito está correlacionada à abordagem de um tema que apresenta a transição do conceito de família. Essa discussão é reforçada a partir da Constituição Federal de 1988, que prevê a igualdade entre filhos, sem distinção. A filiação, além do fator biológico, passa a ser considerada também pelo fator afetivo, isto é, pelos laços afetivos existentes no âmbito familiar".
Portanto, a contribuição desse estudo para a sociedade está especialmente vinculada ao fato de colocar em pauta a possibilidade de exibir o número de nascimentos com registro multiparental de cada município da região, apresentando informações e esclarecimentos sobre o tema, revela Leila. O aspecto mais importante do trabalho reside na relevância de discutir o tema da multiparentalidade, desmistificando preconceitos ainda existentes, e de possibilitar que as relações de afeto familiar sejam reconhecidas juridicamente, complementa a docente.
Sucessão hereditária descendente
Em sua monografia, Amanda também aborda a sucessão hereditária descendente, que possui princípio constitucional da igualdade de filiação. Dessa forma, o filho tem direito a receber a herança de seus múltiplos pais, concorrendo com os demais herdeiros necessários, sendo realizada a partilha da herança em igualdade de condições, explica.
Sucessão hereditária ascendente
Na sucessão hereditária na linha ascendente, Amanda relata que ambos os pais, tanto o biológico como o socioafetivo, garantem a herança para o mesmo filho. No entanto ainda há uma discussão sobre como deve ser realizada essa partilha, pois, em regra, no ordenamento jurídico brasileiro, a sucessão na classe dos ascendentes ocorre por linhas materna e paterna, mas havendo mais de um descendente, seja biológico ou socioafetivo, segundo a Constituição de 1988, o mais adequado neste caso, é que as partilhas sejam igualitárias, salienta.
Diante disso, segundo Amanda, alguns especialistas defendem que a partilha perante multiparentalidade deve ser de acordo com o número de beneficiários. Pelo número de ascendentes biológicos e socioafetivos aptos a participar da sucessão, o que respeita o princípio constitucional da isonomia, reafirma.
No entanto, o Projeto de Lei nº 3799/2019 na Câmara de Deputados, referente ao direito sucessório no Código Civil, propõe modernizar o Direito das Sucessões, com alterações na legislação vigente. Além da sucessão legítima, possibilita que a herança seja dividida por sucessão testamentária e que tenha administração da herança, instauração do inventário, vocação hereditária, aceitação e renúncia da herança, rompimento de testamento e exclusão e deserdação.