O projeto de extensão Vem pra cá!, da Universidade do Vale do Taquari - Univates, oferece, desde 2014, aulas semanais e gratuitas de Língua Portuguesa como língua adicional para imigrantes, ministradas por bolsistas e voluntários em escolas da região.
Mesmo durante a pandemia, o projeto seguiu com as atividades, com o objetivo de assistir aos imigrantes também neste período. Participam cerca de 80 pessoas que residem na região e que vieram de países como Haiti, Bangladesh, Marrocos, Guiné-Bissau, Paquistão e Egito. No último dia 4, um encontro presencial foi realizado com o objetivo de dar sequência às atividades do projeto.
Essa experiência está sendo muito positiva. Os imigrantes aderiram à proposta de aulas on-line e começaram a interagir com os colegas e os professores voluntários, por meio do WhatsApp, usando o português, explica a professora coordenadora do projeto Maristela Juchum. Esse é um espaço importante para todos. Além de poderem praticar a língua portuguesa no contexto de pandemia, também foi uma maneira de acolher os imigrantes e de dizer que continuamos aqui.
Reflexos da pandemia
De abril até agosto foram disponibilizadas atividades de forma virtual pelo WhatsApp, em um grupo criado pela organização do projeto. A partir de setembro a metodologia de ensino mudou. Atualmente os participantes estão sendo chamados ao Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, em Lajeado, para retirarem cadernos com unidades didáticas.
A professora Maristela detalha. Eles levam o material para casa e realizam os trabalhos a distância, acompanhados pelos voluntários e professores pelo WhatsApp para esclarecer as dúvidas que possam surgir durante o aprendizado. Quinze dias depois os estudantes retornam para a escola para acompanharem a revisão das atividades, momento que é também mais uma oportunidade para sanar as dúvidas que possam ter.
Os materiais didáticos são produzidos pelos voluntários. É um material autêntico, que dá ênfase ao uso da língua para o ensino de Português como língua adicional. Baseados na concepção interacionista de linguagem, entendemos que o ensino do idioma Português deva se dar por meio de situações reais de uso da língua, revela a professora. Isso quer dizer que a abordagem didática privilegia as temáticas do cotidiano dos participantes: seus direitos, a cidadania em outro país, questões relativas à saúde e ao trabalho.
Rede de apoio
Outro problema que a região viveu e que teve impacto na vida das pessoas que integram o grupo, além da pandemia, foram as cheias na metade deste ano. Este foi um momento em que o Vem pra cá! também atuou. Os imigrantes que residem aqui precisam muito aprender a Língua Portuguesa para que consigam se inserir na sociedade e dar conta de demandas pessoais como, por exemplo, se relacionar socialmente e procurar emprego. Muito antes de um espaço que serve para o aprendizado do idioma o Vem pra cá! representa uma rede de apoio e inserção social dos imigrantes na comunidade regional.
É um lugar no qual eles se sentem acolhidos, explica a coordenadora do projeto. A docente lembra que existem relatos de situações de discriminação sofridas pela comunidade de imigrantes trazidas para as discussões do grupo. A xenofobia na região é, infelizmente, uma realidade. Não é fácil para eles, diz. Com as suas ações o projeto busca empoderar os imigrantes para que possam constituir suas vidas neste novo local, tendo acesso a empregos, saúde e educação em condição de equidade.
Interculturalidade
Para todos os que participam é uma oportunidade de trocas ímpar, diz a professora. Ela defende que a perspectiva é válida tanto para os voluntários quanto para os imigrantes. Muitos falam mais de um idioma e nos ensinam sobre as culturas de origem. Nesse sentido, a sala de aula, seja ela presencial ou virtual, se constitui um espaço compartilhado por todos. A interculturalidade tem grande força neste contexto, com os imigrantes e os voluntários ensinando e aprendendo ao mesmo tempo. No encontro do último dia 4 estiveram presentes 8 imigrantes.
Lamine Sama reside no Brasil há um ano e cinco meses. Ele tem 31 anos de idade e veio de Guiné-Bissau. Deixei minha família na África para buscar uma vida melhor aqui, ele revela. Sama diz que gosta de morar no Brasil e elogia o Vem pra cá!. Eu estou conseguindo aprender o Português. Também gosto de estar aqui com os professores, eles me ensinam muito.
Do Marrocos, outro país africano, há dois anos e sete meses partiu Ismail Afif, com objetivo similares aos de Lamine. Vim para cá para buscar emprego. Os meses iniciais foram difíceis, mas agora está tudo bem, diz o jovem de 24 anos. Eu comecei as aulas de Português faz pouco tempo, mas não tenho dúvidas de que o projeto é muito bom. E está ajudando muitos os imigrantes, declara ele.
Fluxos migratórios contemporâneos
Para a professora Maristela se faz necessário que as autoridades públicas, em conjunto com a Universidade, comecem a pautar e refletir sobre as consequências do fluxo migratório a longo prazo. Políticas linguísticas, por exemplo, lembra a docente, devem ser pensadas para que as escolas possam atender crianças descendentes de imigrantes que residem no entorno.
Conforme dados do Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (Nepo) da Universidade de Campinas (Unicamp), os fluxos migratórios contemporâneos são diferentes daqueles que o mundo viu acontecer nos séculos XIX e XX, com forte prevalência das migrações ocorrendo no sentido Sul-Sul, ou seja, quando indivíduos deixam seu lugar de origem, situado no Hemisfério Sul, procurando países situados também nesta faixa do globo.
É o que ocorre no Brasil, que recebe imigrantes oriundos de países da África, Ásia e região do Caribe; e o que se verifica no Vale do Taquari. Outra característica dos movimentos migratórios humanos do século XXI é a interiorização das migrações, quando os sujeitos que migram se instalam em regiões no interior dos lugares de destino.