A Maria da música de Milton Nascimento e Fernando Brant morava muito longe de Lajeado, mas é provável que os versos não possam descrever melhor as Marias de um projeto de extensão realizado pela Universidade do Vale do Taquari - Univates.
Há quase três anos, bolsistas e voluntárias do projeto Marias: Corpo e Linguagem na Instituição Prisional realizam, periodicamente, atividades com as mulheres privadas de liberdade do Presídio Feminino de Lajeado com o objetivo de humanizar e qualificar as relações e a convivência naquele espaço.
No entanto, o projeto ganhou outra dimensão à medida que suas atividades foram sendo expandidas para além dos muros da casa prisional. Isso porque o projeto de extensão também tem sido importante para a ressocialização e reinserção daquelas mulheres na sociedade. De acordo com a coordenadora do projeto, professora Silvane Fensterseifer Isse, tem sido muito comum, à medida que as mulheres saem do presídio, que elas procurem a equipe do projeto por meio das redes sociais para contarem como andam suas vidas, como está a família, quais são as dificuldades que estão enfrentando, entre outras questões.
Conforme Silvane, a ideia é manter contato para saber o que andam fazendo e continuar apoiando. Uma vez Maria, sempre Maria, disse ela. Em função da pandemia e para facilitar as atividades, o contato está sendo realizado mensalmente, por videochamada entre as bolsistas, voluntárias e ex-apenadas, como ocorreu na última semana. Na ocasião, Neusa contou sua experiência em voltar para o convívio da família. Fiquei três anos presa e quando cheguei em casa eu tremia dos pés à cabeça. Chorei muito e sinto que agora eu tô vivendo de novo. Liguei para o meu antigo patrão e logo depois voltei ocupar a vaga na empresa onde eu trabalho há cerca de 20 anos, disse ela.
Sobre a sua rotina, Neusa falou sobre a dinâmica do uso de tornozeleira eletrônica e que, por conta disso, costuma receber parentes e amigos em casa, já que seu trajeto é controlado. Eu acho bem melhor aqui fora com a tornozeleira do que lá dentro sem. Pretendo tirar a tornozeleira sem ter nenhuma ocorrência, acrescentou. Para Neusa, os abraços são as suas melhores lembranças do projeto. Teve dias que só vocês mesmo para nos confortar. A gente chega nova lá e é acolhida. Nos dias em que eu estava mais desanimada, lembro de cada abraço que me confortou, me deu mais ânimo, esperança, disse ela, com os olhos marejados.
Com uma realidade bem diferente, Elisandra relatou que enfrenta dificuldades para conseguir emprego e que o artesanato tem ajudado a obter algum tipo de renda. Elisandra diz ter ainda bastante vivas as recordações do projeto.
Lisa disse também entender quem acaba reincidindo no crime, pois a reinserção e volta ao convívio na sociedade é bastante difícil. O crime nos trouxe sofrimento e mesmo aqui fora [do presídio] ainda estamos colhendo os resultados, pois precisamos nos reafirmar, conquistar o respeito e a credibilidade das pessoas. É difícil, mas vou me manter firme, vou passar por essa dificuldade e ter uma vida nova. Não quero mais nada errado, não compensa!, analisou ela.
As atividades realizadas com o grupo de apenadas permitem a ampliação das experiências de movimento, a potencialização das atividades corporais, a contribuição para o empoderamento feminino, a ocupação do tempo e a ampliação das relações intra e interpessoais. Para isso são realizadas atividades com foco principal nas linguagens corporal e artística, através de práticas corporais (danças, alongamentos, ginástica, jogos ) e artísticas (poesia, fotografia, música, teatro ).
Palestra on-line hoje
Nesta quinta-feira, dia 23, às 19h, ocorre a palestra on-line Marias: da prisão à volta ao convívio social. Os participantes do painel discutirão o processo de reinserção social de egressos do sistema prisional. São convidados: o secretário de Segurança Pública de Lajeado, Paulo Roberto Locatelli Gandin, a artesã Elisandra Cristina Vieira e a juíza Luciane Inês Morsch Glesse. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail cchs@univates.br.