Diplomada em Licenciatura em História, Inauã Weirich Ribeiro ingressou no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGEnsino) da Universidade do Vale do Taquari - Univates com a ideia de estudar gênero e currículo já que, como professora de Ensino Fundamental no Estado do Rio Grande do Sul, percebeu que determinadas violências que acontecem nas escolas estavam ligadas a questões de gênero, principalmente dos alunos com as professoras. Não havia professores homens na escola e percebi que a desvalorização, geralmente, está mais associada à questão de gênero do que à profissão em si. Buscava compreender como as professoras poderiam lidar com as situações de violência de gênero, explica ela.
Júlia Amaral
Ao fazer um levantamento sobre o tipo de pesquisa que havia nessa área, Inauã identificou investigações em torno das relações de gênero e currículo apenas em cursos de licenciatura. Aparece nos cursos de Pedagogia e História, por exemplo, mas não se falava de nenhum outro profissional. Aí comecei a me questionar: como as instituições universitárias estão olhando para isso? Como estão pensando a formação de seus profissionais em geral, relacionado a gênero?, comenta.
Foi na própria Univates que ela buscou a resposta. Sabia que há o componente curricular de Temas Contemporâneos que aborda a temática, mas não é específica sobre esse assunto. Também ouvi falar de uma grupo de estudo e da Resolução 146 sobre a Política de respeito às individualidades em diferentes dimensões. Então eu sabia que tinha uma preocupação da Instituição, mas não havia uma abordagem pedagógica na estrutura curricular, explica a mestra.
Ana Amélia Ritt
Inauã acrescenta que organizou o debate Ciclo de Debates - O que podem os estudos de gênero na universidade? e percebeu que os acadêmicos participantes reclamavam que não havia disciplinas sobre gêneros na sua graduação.
Mas conforme o ciclo foi acontecendo ela percebeu que o assunto surgia na fala dos estudantes como tema transversal nos cursos de graduação da Univates: num Trabalho de Conclusão de Curso, numa pesquisa, num debate em sala de aula - mesmo que não tenham uma disciplina específica, o tema aparece na formação desses profissionais e de diversas áreas. Então não podemos dizer que os estudos de gênero não estão na formação pedagógica, analisa ela.
A partir disso, a ideia inicial era a realização de oficinas para propor uma organização curricular sobre estudos de gênero. Porém a Banca de Qualificação sugeriu que Inauã aproveitasse seus achados para contribuir com a discussão institucional sobre a temática. Foi assim que se delineou a investigação Práticas de gênero no currículo da Univates: uma perspectiva arquivística e imoralista, orientada pela professora Angélica Vier Munhoz e com coorientação da professora Priscila Pavan Detoni, vinculada à linha de pesquisa Formação de Professores, Estudos do Currículo e Avaliação do PPGEnsino.
Júlia Amaral
Para isso, a dissertação foi construída a partir do problema de pesquisa De que modo o currículo da Universidade do Vale do Taquari Univates vem performando práticas de gênero?. O objetivo foi arquivar documentos institucionais que continham práticas de gênero; e arquivizá-los, ou, em outras palavras, dar visibilidade para as práticas de gênero da Univates. Como método, a mestra inspirou-se na genealogia de Friedrich Nietzsche e no arquivo de Michel Foucault, em que diferentes discursos são produzidos em meio a relações de saber-poder, de forma que estejam em constante proliferação e modificação.
Com isso, Inauã produziu um currículo imoralista, com o qual surgiram perguntas que podem levar a Univates a refletir sobre as suas práticas de gênero. Conforme Inauã, o currículo imoralista descrito foi composto pelos enunciados identificados em documentos digitais no site da Univates em relação aos seguintes discursos: política afirmativa, linguagem, binariedade sexo-gênero, maternidade, estados civis, família, violência de gênero, masculinidade, banheiros. O currículo imoralista se caracteriza por problematizar a moral, de forma que ele possa ser descrito sem julgamento de valor em relação à norma vigente na sociedade. Os enunciados encontrados no arquivo foram organizados por meio de suas regularidades, suas repetições, com o intuito de visibilizar o modo como se proliferam, se modificam e compõem as práticas de gênero na Univates, afirma ela.
Encontros de debate sobre gênero
Em setembro de 2019 iniciou o primeiro encontro do ciclo de debates O que podem os estudos de gênero na universidade?, que se estendeu até novembro. Os encontros, gratuitos e abertos ao público, eram compostos por seis atividades para o debate de pesquisas realizadas por acadêmicos da Univates. Além disso, o evento contava com a parceria do Grupo de Pesquisa Currículo, Espaço e Movimento (CEM/CNPq), coordenado pela professora Angélica Vier Munhoz, e do Grupo de Estudos de Relações de Gênero, coordenado pela professora Priscila Pavan Detoni. Os temas foram: Mulheres imigrantes no Vale do Taquari/RS; Produção audiovisual, corpo e gênero; Mulheres negras, direitos civis e cinema e Corpo e gênero: experimentações.