Fato um: faltam professores com formação adequada (docentes com formação superior de licenciatura na mesma disciplina que lecionam ou bacharelado na mesma disciplina com curso de complementação pedagógica concluído) nas escolas. Fato dois: dados apontam que há mais licenciados do que vagas para professor. A matemática prova, mas a realidade brasileira é incapaz de trabalhar com esses números: a profissão de professor, escolhida por muitos, torna-se pouco atrativa e esvazia as salas de aula. Há uma grave evasão, e não somente de alunos. Licenciados buscam outros caminhos profissionais longe dos quadros e livros.
Para o vice-reitor e pró-reitor de ensino da Univates, Carlos Cândido da Silva Cyrne, o motivo, conhecido por todos os brasileiros há décadas e pouco resolvido pelas inúmeras gestões, é a pouca valorização da docência. "Devido à baixa atratividade da carreira, muitos licenciados optam por outros espaços no mercado de trabalho, o que mostra que não temos, no Brasil, condições de oferecer atratividade profissional para quem escolhe ser professor", pontua Cyrne.
Elise Bozzetto
A procura por formação superior nas áreas de licenciatura está tão baixa que mesmo as universidades públicas não conseguem preencher vagas. "Se, por um lado, temos uma carreira não atrativa, com remuneração não condizente, de outro lado a carreira docente é extremamente exigente em termos de dedicação. A preparação das aulas, as correções, tomam uma carga horária muito superior à contratada em carteira", enfatiza Cyrne.
O desafio não é mais investimento e sim mais gestão
A Coreia do Sul é tida como um bom exemplo do papel da educação para o desenvolvimento de uma nação. O país apresentava, até os anos 1960, níveis sociais e econômicos equiparados aos países mais pobres da Ásia. Hoje é uma das maiores economias mundiais, exportadora de tecnologia de ponta, e ostenta um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de US$ 1,3 trilhões (2013).
Esse desenvolvimento passou por uma profunda mudança na educação do país. Uma das iniciativas foi priorizar a educação primária com investimentos maciços. Só em 2009, a Coreia do Sul investiu 5% do PIB, ou seja, US$ 47,1 bilhões em educação. A verba foi destinada principalmente à formação dos professores, a material de apoio e à melhoria da estrutura e do funcionamento das escolas. Além de um plano de carreira consolidado, os professores sul-coreanos recebem altos salários e ser professor é ter uma carreira de prestígio. Hoje a Coreia do Sul figura entre os países mais bem avaliados em rankings como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), no qual o Brasil atualmente ocupa um dos últimos lugares. Claro, a mudança foi resultado de um processo de gestão de toda a economia, atraindo investidores e fomentando a inovação, mas, sem a base que a educação confere, o país não teria avançado.
Para Cyrne, no Brasil, a política de valorização da educação é pouco eficiente. "Em março deste ano o ministro da Educação fez um pronunciamento com o qual concordo sobre a necessidade de colocar o maior aporte financeiro na educação básica e não na superior. Essa postura acabou derrubando o ex-ministro Cristovam Buarque. Então já tivemos tentativas de inverter a lógica de investimento que, evidentemente, não está trazendo resultados para o País. Hoje, dos R$ 30 bilhões destinados à educação, apenas R$ 10 bilhões chegam à rede básica", destaca o Pró-Reitor. Cyrne acredita que com a verba destinada à educação deveria ser feito muito mais. "O recurso que temos é significativo. O que precisamos é melhorar a gestão desses investimentos. O dinheiro não chega aonde deveria chegar e, quando chega, é tão pulverizado que promove poucas melhorias", comenta.
Elise Bozzetto
Quem vive esse drama diariamente é a diretora da Escola Estadual de Educação Básica Érico Veríssimo, de Lajeado, Denise Sandri Labres. A escola, que atende 900 alunos e conta com 70 professores, percebe os efeitos da desvalorização profissional da docência. Hoje os professores da rede pública não têm dinheiro para se aperfeiçoarem, para fazerem cursos, para buscarem formação continuada. O professor apenas sobrevive com o salário. Somado a isso, temos um corpo discente pouco engajado em sala de aula. Os alunos não recebem estímulo em casa. Parece que, no Brasil, não há um pensamento de que o estudo, o conhecimento, podem ser uma alavanca social e cultural. O pensamento que vemos em sala de aula é aprender uma profissão. A visão de mundo estreita-se e o aluno não está interessado em ampliar seu conhecimento. A perspectiva não é animadora, mas não podemos desistir. Precisamos acreditar que a educação ainda vai ser incluída numa política pública eficiente, analisa Denise.
Indicadores da educação básica no Brasil
Segundo os últimos indicadores de adequação da formação do docente da educação básica divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Nota Técnica 020/2014), a formação docente está longe de ser adequada.
No Ensino Fundamental a situação também é preocupante: 47% dos professores de Matemática não possuem formação adequada e mais de 25% deles não possuem nem ensino superior. Na língua estrangeira, o número de professores sem formação adequada chega a 58,8%.
No Ensino Médio, 61,5% dos professores de Física não são licenciados em Física. Destes, 10% nem possuem ensino superior. Em língua estrangeira a situação não é muito diferente: somente 51,2% dos docentes possuem licenciatura na área.