No dia 19 de abril comemoramos o Dia do Índio. Em homenagem a esta data, publicamos a matéria veiculada na Revista Univates, divulgada nesta semana.
Os indígenas foram o primeiro povo a ocupar o território brasileiro. Mas o que se sabe sobre eles é muito pouco. Sua cultura, tradições, valores foram historicamente silenciados pela “cultura branca”. Seu espaço territorial reduzido, deslocado, retirado. Uma história daqui, porém tão distantes dos olhos da ciência. Mas, em 2009, um projeto da Univates nasceu para trazer à luz informações que podem ser importantes para fomentar uma mudança na forma como o “branco” coloca o índio na história da nossa sociedade.
Com 25 anos dedicados à pesquisa da cultura indígena, o professor Luís Fernando Laroque coordena o projeto de extensão “Historia e Cultura Kaingang em territórios da Bacia Hidrográfica Taquari – Antas”. O estudo é resultado da parceria entre a Univates e o Conselho de Missões entre Povos Indígenas (COMIN) da Instituição Sinodal de Apoio à Educação e Cultura. O objetivo do grupo de pesquisadores, extensionistas, bolsistas e voluntários é estudar a história e as condições atuais de sustentabilidade, meio ambiente, saúde e educação das famílias indígenas Kaingang que atualmente se encontram em territórios localizados principalmente nos municípios de Lajeado, Estrela e Tabaí.
O grupo dos Kaingang é o maior do ponto de vista demográfico da região sul do Brasil, tendo, em 2010, mais de 38 mil indivíduos registrados oficialmente. Os antepassados dos Kaingang trata-se do grupo indígena mais antigos no sul do Brasil, com registros de ocupação da cultura material que retrocedem ao início da era cristã, anterior, inclusive, à ocupação dos Tupi-guarani, estes originários do norte do Brasil. Mas a literatura científica e o estudo da história do povo Kaingang é relativamente recente. “Sabemos que a ocupação dos Kaingang no território gaúcho remonta ao início da era cristã, mas estudos dedicados a essa documentação são raros. Temos registros escritos desses povos a partir do final do século XVIII e principalmente do século XIX. Muito embora tenha sido as cidades que se ergueram em territórios indígenas, existem documentos do século XIX e XX que registram a presença deles também nos centros urbanos”, analisa Laroque.
Com a chegada dos colonizadores alemães e italianos, essas populações foram sendo expulsas e obrigadas a migrarem para territórios localizados em áreas da porção norte do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, no decorrer do tempo, idas e vindas dos Kaingang em áreas urbanas ou não localizadas em territórios do Lago Guaíba, rio do Sinos, rio Caí e rio Taquari-Antas foram frequentes. Com isso, na década de 1960, percebe-se uma intensificação da presença indígena nos centros urbanos, em especial próximo às rodovias. “Os grupos Kaingang não tem como característica ocupar locais cercados. Eles enxergam nas rodovias um território do 'grande chefe', que seria, a grosso modo, o governante do Estado Nacional. Ou seja, eles sabem que as rodovias são públicas e para eles resta este espaço para ocupação”, exemplifica o pesquisador.
As lutas são incansáveis e diárias
Nossa equipe conversou com o cacique Gregório Antunes da Silva, com o vice-cacique Setembrino Vergueiro e com a responsável cultural Eliane Antunes da Silva. Estes Kaingang são representantes da Aldeia Foxá, localizada no bairro Jardim do Cedro, em Lajeado. A Foxá é uma comunidade com cerca de 90 integrantes. Destes, 25 crianças em idade escolar. Basicamente, a fonte de renda provém do artesanato. Com os rios poluídos e a proibição da caça, resta ao grupo comprar mantimentos que não podem ser cultivados. “Temos uma horta comunitária, plantamos muita coisa. Criamos alguns animais. Fora isso, tudo precisa ser comprado. A tinta para o artesanato, por exemplo, não existe mais na natureza para ser extraída, precisamos comprar”, enfatiza o cacique.
Os materiais são retirados em sua maioria da natureza, respeitando o ciclo reprodutivo das plantas. Conforme conta Vergueiro, a lua define as épocas de colheita. “Olhamos a lua antes de buscar o que precisamos. Quando chegamos à mata, avaliamos a quantidade e a maturidade da planta para extrair ou não. Usamos basicamente taquaras e cipós”, explica. A prática garante a perpetuidade das plantas.
A principal preocupação que mobiliza a aldeia hoje, no entanto, é a questão da educação. “Estamos desde 2009 lutando para termos aqui uma escola indígena. Nossas crianças precisam conhecer nossa cultura e serem alfabetizadas em escola bilíngue. Hoje elas falam o Kaingang, língua pertencente ao Tronco Linguístico Macro-Jê, mas também é preciso que saibam escrever. A educação é a única forma que temos de manter vivas nossas tradições. Já conseguimos o espaço, o professor, só falta a liberação”, comenta o cacique Silva. Para os representantes da aldeia, o deslocamento até a escola regular na qual as crianças estão matriculadas é perigoso. “No turno da manhã temos aula para as crianças até 5 e 6 anos. Elas desembarcam sozinhas e precisam caminhar quase um quilômetro até a escola. Na volta, são deixadas na RS 130 e precisam caminhar a pé até a aldeia, no asfalto. É muito perigoso e várias mães estão se negando a deixar seus filhos saírem desacompanhados”, explica Eliane.
Nas sociedade orais, a importância da língua, da vivência e acompanhamento dos pais e avós em todas as atividades são determinantes para permanência dos valores na aldeia. Com as alterações nos papéis (necessidade de trabalhar com artesanato e outras fontes de renda) dos pais, a educação formal também torna-se crucial tanto para manter a cultura quanto para permitir aos indígenas acesso a outros direitos.
Interessou-se pelo projeto?
A equipe do projeto leva às escolas e entidades da região palestras e esclarecimentos sobre a cultura e história indígena. Para saber mais entre em contato pelo e-mail projetokaingang@univates.br.
Texto: Elise Bozzetto