1 UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI CURSO DE DIREITO A “PORNOGRAFIA DE VINGANÇA” E A LEI MARIA DA PENHA: CRIME DE EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE INTIMIDADE SEXUAL André Rodrigo Kohlrausch Lajeado, novembro de 2017 2 André Rodrigo Kohlrausch A “PORNOGRAFIA DE VINGANÇA” E A LEI MARIA DA PENHA: CRIME DE EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE INTIMIDADE SEXUAL Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso – Etapa II, do Curso de Direito da Universidade do Vale do Taquari – Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Bacharel. Lajeado, novembro de 2017 3 A “PORNOGRAFIA DE VINGANÇA” E A LEI MARIA DA PENHA: CRIME DE EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE INTIMIDADE SEXUAL A Banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia, do curso de graduação em Direito, da Universidade do Vale do Taquari – Univates, como parte da exigência para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Prof. Me. Hélio Miguel Schauren Junior Orientador Universidade do Vale do Taquari Prof. Me. João Antônio Merten Peixoto Universidade do Vale do Taquari Prof. André Roberto Ruver Universidade de Caxias do Sul Lajeado, novembro de 2017 4 RESUMO Em razão da instantânea comunicabilidade virtual, o fenômeno da “pornografia de vingança” tem surgido como uma nova forma de violação dos direitos à intimidade e à privacidade da mulher. Assim, esta monografia tem como objetivo geral analisar aspectos sobre a “pornografia de vingança”, explicando o valor da pessoa humana, os principais crimes cometidos na internet contra a mulher e medidas de proteção cabíveis. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, executada recorrendo ao método dedutivo, através de levantamentos bibliográficos, análise de trabalhos científicos, jurisprudencial e legislativa. Por conseguinte, as considerações iniciam por um apanhado a cerca da pessoa humana como valor, especialmente quanto à proteção dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e a imagem da mulher. Posteriormente, faz-se um estudo dos crimes virtuais, com foco nos delitos praticados contra a honra da mulher. Por fim, examina os meios existentes de proteção da mulher em oposição à “pornografia de vingança”, bem como as propostas de criminalização da referida conduta. Nesse sentido, conclui que o fenômeno da “pornografia de vingança” é resultado de um longo processo histórico e social de subjugação do homem sobre a mulher. Tendo por consequência um linchamento moral das vítimas perante a sociedade. Devido a não tipificação da conduta, o agressor muitas vezes permanece impune, reforçando ainda mais a doutrina patriarcal da violência de gênero. Palavras-chaves: Lei Maria da Penal. Pornografia. Crimes virtuais. 5 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Aceitação por parte do sexo feminino no Brasil ....................................... 51 Figura 2 – Aceitação por parte do sexo masculino no Brasil ..................................... 52 Figura 3 – Aceitação por parte do sexo masculino no Rio Grande do Sul ................ 52 Figura 4 – Aceitação por parte do sexo feminino no Rio Grande do Sul ................... 53 Figura 5 – Classificação do cidadão .......................................................................... 53 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7 2 A PESSOA HUMANA COMO VALOR .................................................................. 10 2.1 O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana ........................... 10 2.2 A constitucionalização dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem ............................................................................................................... 13 2.3 Antecedentes históricos sobre cultura de violência contra a mulher .......... 16 3 CRIMES VIRTUAIS ................................................................................................ 22 3.1 Direito e internet ................................................................................................ 24 3.2 Crimes contra a honra na internet ................................................................... 26 3.3 Vingança pornô: o conceito ............................................................................. 29 3.3.1 Sexting ............................................................................................................ 31 3.4 Perfil da vítima e autor ...................................................................................... 32 4 PROTEÇÃO DA MULHER CONTRA A “PORNOGRAFIA DA VINGANÇA” ....... 34 4.1 Evolução da proteção da mulher ..................................................................... 36 4.2 Análise sobre os princípios constitucionais sobre o tema ........................... 39 4.3 Legislação vigente em nosso ordenamento jurídico que tipifica a “pornografia da vingança” ............................................................................... 42 4.3.1 Aplicação do Código Penal à conduta estudada ......................................... 44 4.4 Diferença com a Lei “Carolina Dieckmann” .................................................... 45 4.5 Proposta para apuração e punição da “pornografia de vingança” .............. 47 4.5.1 Criminalização da pornografia da vingança: Aplicação da Lei Maria da Penha nos casos de divulgação de material íntimo pelos meios digitais 49 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 54 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57 7 1 INTRODUÇÃO Hodiernamente, uma nova modalidade criminosa vem destruindo famílias e lares em várias partes do mundo. A violação dos direitos à intimidade e à privacidade deve ser considerada como uma das formas de violência de gênero, especialmente quando ocorre a divulgação de material de cunho íntimo por parte do parceiro na internet. Tal fenômeno tem se tornado conhecido como “pornografia de vingança” ou revenge porn. Importante considerar que a violência contra a mulher tem sido praticada de diversas formas, como violência física, sexual, econômica e moral. Isso se dá ao não reconhecimento da dignidade da pessoa humana durante séculos; por isso, atualmente, essas práticas têm sido admitidas (ou toleradas) por muitos culturalmente, sendo considerado como um tratamento social à mulher. O presente trabalho aborda a “pornografia de vingança” sob o prisma do Direto Penal, analisando o crime de exposição pública da intimidade sexual. Para tanto examina os pressupostos inalienáveis da dignidade da pessoa humana, apontando os principais crimes cibernéticos contra a mulher e as medidas de proteção cabíveis. O objetivo geral consiste em analisar aspectos sobre a “pornografia de vingança”, explicando o valor da pessoa humana, os principais crimes cometidos na internet contra a mulher e medidas de proteção cabíveis. Para tal empregou-se o método dedutivo, partindo de argumentos gerais para argumentos particulares, através de levantamentos bibliográficos, análise de trabalhos científicos, jurisprudencial e legislativa. 8 Por tratar-se de uma tônica relativamente recente, restando uma quantidade limitada de material concebido singularmente sobre o tema, a prevalência de material bibliográfico está disponível em sites e blogs independente. Por essa razão, a triagem do material se deu de maneira em qual não ocorresse desarmonia na veracidade da informação. A igualdade de direitos entre homens e mulheres é assegurada pela Constituição Federal de 1988. Por isso, no primeiro capítulo faz-se um apanhado sobre a pessoa humana como valor, desde o princípio fundamental da dignidade, até a constitucionalização dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e a imagem, direitos estes, considerados como pertinentes à sobrevivência do ser humano. Em seguida, será apresentada uma síntese referente aos antecedentes históricos da cultura de violência contra a mulher, revelando uma hierarquização masculina em relação à estas, em suma, os aspectos da violência de gênero no Brasil em tempos atuais. De acordo com levantamentos estatísticos, um dos crimes virtuais que teve um incremento relevante de reclamações ajuizadas foi a pornografia de vingança. Por isso, o segundo capítulo versa dos crimes virtuais, de como o direito tem atuado na internet, com foco nos crimes contra a honra praticados no meio virtual. Em seguida, ainda no mesmo capítulo será apontado o conceito de “pornografia de vingança”, o qual é o ato pelo qual o ofensor expõe, de maneira não consensual, material de cunho íntimo e privado da vítima na internet, juntamente com uma noção referente ao fenômeno do “sexting”, e perfil da vítima e autor. O avanço tecnológico, em conjunto como o crescimento progressivo das ocorrências, reivindica um aprimoramento técnico-jurídico coeso, apto a julgar e processar de forma adequada compondo as omissões jurídicas no que se refere aos crimes virtuais. Assim, o terceiro capítulo do trabalho apresentará o resguardo da mulher contra a pornografia de vingança, desde a evolução da proteção desta, passando por uma análise dos princípios constitucionais que versam sobre o tema, a legislação vigente que pune tal conduta, até, em virtude das sérias consequências 9 que tal exposição em ambiente virtual sepulta sobre a vida das vítimas, as propostas que buscam a apuração e a punição da “pornografia de vingança”. 10 2 A PESSOA HUMANA COMO VALOR O simples fato de a Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu Título I, ratificar a dignidade da pessoa humana como um de seus princípios fundamentais, não permite a conclusão de que a dignidade tenha seu devido respeito e proteção assegurada em nosso ordenamento jurídico. As conquistas alcançadas no campo dos direitos humanos revelam um processo de afirmação do homem como portador de valores éticos insuprimíveis, como a dignidade, a liberdade, a intimidade, a honra e a autonomia, que exigem uma constante vigilância. É possível reconhecer como um elemento complicador à efetivação desses direitos a omissão do Poder Legislativo que deixa de positivar os novos fenômenos sociais, os quais se tornaram uma realidade incontestável no âmbito de nossa sociedade. Dessa forma, o objetivo deste capítulo é descrever noções sobre o valor da pessoa humana, explicando o princípio da dignidade da pessoa humana, suas características e classificação no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quanto ao direito à intimidade. Relatar os antecedentes históricos sobre a cultura de violência contra a mulher, apontar os aspectos da violência de gênero em tempos atuais no Brasil relacionados ao fenômeno da “pornografia de vingança”. 2.1 O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana De fato, existe certa complexidade na definição de um conceito específico da dignidade da pessoa humana. Muito embora, às vezes, ela pareça revelar-se com nitidez em determinadas situações concretas de violação, a multiformidade das relações sociais instiga sua definitiva conceituação. Além do elemento cultural, 11 necessário se faz ponderar que tal conceito sofre certo alargamento ou limitação em detrimento de outros fatores, como por exemplo, o econômico. Entretanto, essas diferenças não afastam a natureza universal que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Importante se faz reconhecer que a incorporação no texto constitucional foi passo importantíssimo para seu factual resguardo e vasto desenvolvimento. Para Andrade (2008), um indivíduo, somente pelo fato de integrar o gênero humano, já é titular de dignidade. Esta qualidade é atributo inerente a todos os homens, em virtude da própria condição humana, que o torna merecedor de igual consideração e respeito por parte de seus semelhantes. Segundo o pensamento de Nicolão (2010), diante da análise do pensamento clássico e no ideário cristão, é possível ver que, desde os primórdios, a ideia de dignidade da pessoa humana é vista como um valor intrínseco de todo ser humano, sendo capaz de se observar a ideia de dignidade quando o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, orlado de um próprio valor que lhe é inerente. Nicolão (2010) discorre ainda que, para alguns filósofos do pensamento clássico, se pode constatar que a dignidade do homem era alusiva à posição social que ocupava e ao modo como era caracterizado pela sociedade. Já outra corrente acreditava que a dignidade está associada à noção de liberdade pessoal e, por ser própria de todo ser humano, é o que o diferencia das demais criaturas. De acordo com Rocha (2004, p. 11), a dignidade da vida se fez direito. A autora prossegue, ao expressar a necessidade de se assegurar que a vida seja experimentada de forma digna: “entendida como qualidade inerente à condição do homem em sua aventura universal” (2004, p. 11). Conclui que “a vida digna não é mais uma possibilidade. É um imperativo para que se assegure a igual liberdade e a livre igualdade de todos os homens” (2004, p. 12). Para Farias (1996), o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana assegura um minimum de respeito ao homem somente pelo fato de ser homem, uma vez que todos são dotados por natureza de igual dignidade. 12 O respeito à pessoa humana deve suceder independentemente da comunidade, classe social, grupo o gênero a que pertença. Neste sentido Neves (apud FARIAS, 1996, p. 49): A dignidade pessoal postula o valor da pessoa humana e exige o respeito incondicional da sua dignidade. Dignidade da pessoa a considerar e si e por si, que o mesmo é dizer a respeitar para além e independentemente dos contextos integrantes e das situações sociais em que ela concretamente se insira. Assim, se o homem é sempre membro de uma comunidade, de um grupo, de uma classe, o que ele é em dignidade e valor não se reduz a esses modos de existência comunitária ou social. Será por isso inválido, e inadmissível, o sacrifício desse valor seu valor e dignidade pessoal a benefício simplesmente da comunidade, do grupo, da classe [...]. Para Donizetti (apud ARAÚJO, 2017, texto digital): [...] A dignidade da pessoa humana consiste em um valor constante que deve acompanhar a consciência e o sentimento de bem-estar de todos, cabendo ao Estado garantir aos seus administrados direitos que lhe sejam necessários para viver com dignidade (direito à honra, a vida, à liberdade, à saúde, à moradia, à igualdade, à segurança, à propriedade, entre outros). Mesmo diante de todas as diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade. Por isso, conclui-se que a dignidade é um valor universal, não impediente às diversidades socioculturais dos povos. Em igual linha de raciocínio, Andrade (2008, p. 04) leciona: [...] há que reconhecer que o conjunto de direitos existenciais que compõem a dignidade pertence aos homens em igual proporção. Daí não ser possível falar em maior ou menor dignidade, pelo menos no sentido aqui atribuído à expressão, de conjunto aberto de direitos existenciais [...]. Conforme Barroso (2010, texto digital), “a noção de dignidade varia no tempo e espaço, pois sofre com o impacto da história e da cultura de cada povo”. Ainda preceitua que “a dignidade é um valor fundamental que se viu convertido em princípio jurídico constitucional”. A dignidade da pessoa humana exterioriza a premissa do reconhecimento de cada ser humano como pessoa. Assim sendo, é possível afirmar que se uma conduta ou situação transgride a dignidade da pessoa humana, significa dizer que nessa situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa (BARZOTTO, 2010). É permitido asseverar que o respeito à dignidade humana, não integra um ato de generosidade, mas sim, o exercício da solidariedade. Que nada mais é, do que 13 um modo de se resguardar coletivamente. Tal dever é imposto a todos pela ética, anteriormente ao direito ou religião. Pioli (2013) afirma que, por ser um atributo pertinente a toda pessoa humana, a dignidade não tolera gradações. Assim sendo, não se pode pensar que uma pessoa tem mais ou menos dignidade do que outra, visto que não existe hierarquia quanto a isso. Há, portanto, o simples fato de que a pessoa humana é credora de respeito à sua dignidade, independente de qual orientação sexual for, raça, cor, condição social, idade etc. Atualmente vivemos na chamada “era da tecnologia”, época em que são desenvolvidos meios com o fim de facilitar a vida das pessoas, e o pleito da intimidade, dignidade e vida privada deve ser analisado sob vários aspectos. Ao perder a sua individualidade, o ser humano contemporâneo acaba por deixar exposta sua vida, afetando, assim, sua intimidade (ALVES, 2004). Instituída por um conjunto de direitos existências, a dignidade da pessoa humana é o princípio que deve ser compartilhado por todos os homens em igual proporção. Por esse motivo, não se pode falar em maior ou menor dignidade. Portanto, temos a igualdade entre os humanos como pressuposto fundamental da dignidade. 2.2 A constitucionalização dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem Inicialmente, vale dizer, que, no centro do direito, encontra-se o ser humano. Este, é o fundamento e o fim de todo direito. Porém, nem sempre esses direitos fundamentais foram reconhecidos. Tal premissa está pontualmente ligada ao surgimento do constitucionalismo, que auferiu para si o poder de contenção do estado em favor do cidadão. Os direitos da personalidade são considerados como aqueles concernentes à pessoa humana, pertinentes à sua sobrevivência, revelando-se como substanciais à sua integridade, em todos os sentidos. 14 Os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem são tidos como direitos da personalidade: Dessa forma, são delineados como aqueles indispensáveis para o desenvolvimento da pessoa humana. Por se tratarem de direitos que escoltam a essência do homem, possuem algumas propriedades pertinentes aos direitos de personalidade, como: indisponibilidade, imprescritibilidade e intransmissibilidade, além de serem oponíveis erga omnes (ALVES, 2004). Necessário se faz esclarecer o que vem a ser personalidade. Pode-se afirmar que o referido conceito encerra todas as propriedades pertencentes à pessoa humana, como a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem entre outros. Ao ser tutelados pelo direito, formaram o denominado Direito de Personalidade. Assim leciona Maria Helena Diniz (2003, p. 119), ao citar Gofredo da Silva Telles: [...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprio da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. A partir das declarações dos direitos humanos, a preocupação em volta da pessoa humana inicialmente visava salvaguardar as pessoas do Estado totalitário. Por esse motivo, os Direitos de Personalidade devem ser reputados como uma conquista histórica para a humanidade. Uma vez que a sagração de seus preceitos, no âmago constitucional, concebeu um novo padrão para o Direito. Em vista da preeminência constitucional, a legitimação de padrões éticos na Lei Maior, garante que todo o ordenamento seja relido (FARIAS 1996). A Constituição Federal demonstra a importância do tema ao trazer, com clareza, em seu artigo 5º, inciso X, a tutela aos diretos da personalidade: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 15 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] Conforme Farias (1996, p. 104), a sagração constitucional desses direitos pelo constituinte brasileiro acompanhou a inclinação hodierna de várias outras Cartas Magnas contemporâneas que os ratificaram em seus textos. Para Marques (2010, texto digital): O direito à honra, à reputação ou consideração social, abrangendo a honra externa ou objetiva e a interna ou subjetiva perfila como um direito de personalidade, que se reporta ao âmbito do direito civil, mas por ter sido recepcionado pela Constituição Federal (inciso X, do art. 5º, CF), como integrante dos direitos fundamentais, gera a exigência de sua observância, ou seja, um efeito inibitório não só perante os particulares, mas também sobre a esfera pública. O texto constitucional ainda contempla em seu artigo 226, § 7º, com ênfase à família, mais uma forma de garantir a dignidade da pessoa humana: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Desse modo, a ofensa à honra, à liberdade ou à intimidade das pessoas enseja indenização por dano moral e patrimonial. Diante disso, é possível afirmar que o direito à intimidade é aquele que visa a defender as pessoas dos olhares alheios, também, da interferência em sua esfera íntima por meio de fatos obtidos ilicitamente (NERY JUNIOR; NERY, 2006). Diante dessas considerações, verifica-se que a designação da pessoa humana como alicerce medular da Constituição Federal, junto às diversas prerrogativas do Estado, somados às previsões do art. 5º da Carta Magna, configuram na tutela de promoção da pessoa humana como valor máximo do ordenamento jurídico. Desse modo, a partir da aplicação de mecanismos de proteção à dignidade da mulher, se faz possível alcançar o ideal de equiparação entre os sexos. Tendo por consequência, a minimização dos atos de violência de gênero. 16 2.3 Antecedentes históricos sobre cultura de violência contra a mulher Antes de adentrar no tema em si, importante se faz ilustrar o que é a violência contra a mulher. Assim, temos por significado mais frequente, o uso da força física, intelectual ou psicológica a fim de obrigar outrem a fazer algo contra sua vontade. Também deve ser considerada violência contra a mulher; tolher sua liberdade, constranger, impedir que manifeste sua vontade como forma de manter a mulher sob seu domínio. Muitas vezes mascarada, a violência contra a mulher apresenta-se de forma velada na sociedade, até mesmo pelo uso de expressões de duplo sentido, que ridicularizam e minoram a imagem destas perante a sociedade. Dessa forma criando estereótipos como forma de preconceito e discriminação. Para Campos e Corrêa (2007, p. 99): A primeira base de sustentação da ideologia de hierarquização masculina em relação à mulher, e sua consequente subordinação, possui cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) anos, através do filósofo helenista Filon de Alexandria, que propagou sua tese baseado nas concepções de Platão, que defendia a ideia de que a mulher pouco possuía capacidade de raciocínio, além de ter alma inferior à do homem. Ideias, estas, que transformaram a mulher na figura repleta de futilidades, vaidades, relacionada tão-somente aos aspectos carnais. De acordo com os ensinamentos de Pinafi (2007), na Grécia Antiga não havia direitos jurídicos para as mulheres as quais não tinham direito à educação, nem podiam aparecer sozinhas em público. Nesse período, o homem era uma espécie de possuidor absoluto da mulher, este detinha até o direito sobre a vida de sua companheira. Tendo como referência a lição de Chakorowski (2013), na época do Brasil colônia, a educação era ministrada pela Igreja Católica Romana, no entanto, não era estendida às mulheres. Nesse período, a igreja pregava que a mulher devia sujeição primeiramente ao pai, por conseguinte ao marido. Suas únicas formas de diversão eram no lar e na igreja, dessa forma, sendo oprimida pelo universo masculino. 17 Conforme demostrado na percepção de Pinafi (2007), a mulher era vista pelo cristianismo como pecadora e causadora do banimento do homem do paraíso, concepção que não passa de uma leitura desacertada das escrituras bíblicas. Mas, por tal motivo, a mulher era abalizada como um sujeito de submissão e deveres ao homem. Rastros dessa violência ficam evidenciados no estudo de Vicentino (1997). O autor aponta que no Direito Romano a punição do delito da mulher não cabia ao Estado, e sim ao marido. Outra evidência desta opressão fica clara com a disposição instituída pela Ordenação das Filipinas, que permitia ao marido “traído” o delito de matar a sua mulher e o seu amante (ENGEL, 2005). No Brasil, é possível identificar outra forma dessa violência ao analisar o Código Penal de 1940. O referido diploma não trazia de forma explícita a questão da legítima defesa da honra, nem ao menos a definia. Porém, consagrava em seu texto um capítulo dedicado aos crimes cometidos contra ela. Previa, ainda, o instituto da legítima defesa àquele que repele injusta agressão a direito seu ou de outrem, desde que, usando moderadamente dos meios necessários. Valendo-se da dubiedade do texto jurídico e com o estabelecimento da função da família com a mulher dentro dela, perfez-se, a figura da legítima defesa da honra (SOSA, 2012). Diante disso, surgiu a possibilidade de atenuar, ou até mesmo absolver quem praticasse crime passional. Acerca das posições que a sociedade professa com vinculação ao criminoso passional, Limongi França destacava na década de 70 do século passado: A sociedade dá um pequeno crédito de simpatia ao criminoso que sucumbe sob o jugo da emoção, por reconhecer que esta liberta as inibições sociais e pode perturbar a conduta, negando-o, porém, ao criminoso frio, que lhe parece muito mais perigoso e que não necessita do excitante emocional para praticar o delito, revelando, portanto, menor adaptação social (LIMONGI, FRANÇA,1977. p. 517, apud SOSA, 2012, p. 27). Para Andréa Borelli, no início do século XX, imperava o entendimento de que a honra masculina era garantida pela mulher. Borelli aponta importantes observações referentes ao cenário dessa época. Para ela: Perante a sociedade da época, o crime de paixões era uma maneira de regular o controle das mulheres sobre seu corpo e suas atitudes, pois ele acontecia quando se rompia com os padrões vigentes. Assim, justificava-se 18 a necessidade de punir esse ato de rebeldia para evitar sua disseminação na sociedade (BORELLI,1999. p.73, apud SOSA, 2012, p. 27). A vingança pessoal era o comportamento esperado pela sociedade. Sosa (2012) salienta que os crimes passionais com autoras mulheres também ocorreram, porém: [...] a menor incidência desses esteve ligada aos padrões sociais, já que da mulher se espera que perdoe a traição do marido/companheiro, mas do homem se espera que reaja, eliminando aquela que o fez passar por tamanha humilhação na sociedade (SOSA, p. 27, 2012). Evidencia-se que a violência entre homens e mulheres não é fato recente na história da humanidade, lamentavelmente sendo detectada em boa parte das culturas no mundo. Porém, no Brasil, nos anos 70, não era dada a devida visibilidade a essa forma de violência. Além do mais, essa expressão nem existia. “Ela precisou ser nomeada, para que pudesse ser vista, falada e pensada” (MACHADO, 1998, p.104 apud MEDEIROS). Por conseguinte, a mídia fez a violência contra o sexo feminino vir a público, mostrando à sociedade o que na verdade já se sabia: a violência contra o sexo feminino [...] não tinha classe social, não se escondia sob as necessidades financeiras das mesmas ou qualquer que seja. Não se distinguia entre as pessoas de maior posição social das que viviam e vivem em condições abaixo da linha de pobreza (MACHADO, 1998, p.104 apud MEDEIROS). Segundo dados da OMS, cerca de metade das mulheres vítimas de homicídios são assassinadas pelos próprios maridos, namorados ou companheiros. Muitas vezes pelos ex-parceiros, diante da intolerância com o fim do relacionamento (FOCKINK; CAGLIARI; COSTA, 2005). As autoras complementam ao afirmar que, existe uma explicação para a grande ocorrência de violência doméstica e de violência contra a mulher. Tal fato não está somente ligado à pobreza ou à desigualdade social e cultural, mas conjuntamente ao preconceito, discriminação e ao descomedimento de poder por parte do agressor em relação ás vítimas (2005). Hodiernamente, a violência contra a mulher vem sendo intitulada de “violência de gênero”. Tal expressão visa asseverar que as diferenças biológicas entre homens e mulheres não são as determinantes para o emprego de violência contra estas. 19 Mas sim, devido às incumbências sociais dissemelhantemente impostas, acentuadas por culturas patriarcais, assim se constitui o trato de violência entre os sexos. Por conseguinte, compreende-se que, alicerçado no que é apontado como dentro e/ou fora da norma cultural com relação à mulher, permanece uma intolerância à mudança de comportamento que seria garantidora de igualdade de direitos que, ao fim, desencadeia a violência de gênero. 2.4 Aspectos da violência de gênero no Brasil em tempos atuais Tendo por referência o estudado até o momento, entende-se que o maior problema dessa forma de violência, é que não se trata somente de um comportamento agressivo dos homens, mas de uma cultura que a toda sociedade influencia: “Trata-se do patriarcado que consiste em uma determinada forma de relacionamento, de comunicação entre os gêneros, caracterizada pela dominação do gênero feminino pelo masculino” (MEDEIROS, texto digital, 2015). Isto posto, mister se faz elucidar a diferença entre violência de gênero e violência doméstica. Nota-se que a despeito de restarem vinculadas entre si, são consagradas de maneira distinta precipuamente no que concerne ao seu horizonte de atuação. A violência de gênero se apresenta como uma forma mais extensa e se generalizou como uma expressão utilizada para fazer referência aos diversos atos praticados contra mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico, aí incluídas as diversas formas de ameaças, não só no âmbito intrafamiliar, mas também abrangendo a sua participação social em geral, com ênfase para as suas relações de trabalho, caracterizando-se principalmente pela imposição ou pretensão de imposição de uma subordinação e controle de gênero masculino sobre o feminino. A violência de gênero se apresenta, assim, como um “gênero”, do qual as demais, são espécies (SOUZA, 2007 apud MEDEIROS, 2015, texto digital). O fenômeno da violência doméstica é algo difícil de resolver, se analisado a partir de um único horizonte. Visto que, por trás da violência doméstica, existe um conflito de gênero. 20 Recente pesquisa realizada pelo Data Folha demonstra que o problema da violência contra a mulher persiste no Brasil. Os dados, divulgados no Dia Internacional da Mulher, revelam que: [...] 22% das mulheres brasileiras sofreram ofensa verbal no ano passado, um total de 12 milhões de mulheres. Além disso, 10% das mulheres sofreram ameaça de violência física, 8% sofreram ofensa sexual, 4% receberam ameaça com faca ou arma de fogo. E ainda: 3% ou 1,4 milhões de mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1% levou pelo menos um tiro (SANTOS, texto digital, 2012). Segundo a revista Exame, que divulgou a referida consulta, na grande maioria das vezes, o agressor é um conhecido, o que representa 61% dos casos. Em 19 % dos episódios, o ofensor era o companheiro atual da vítima, já, 16% das agressões foram cometidas por ex-companheiros. Porém, o dado mais alarmante manifestado pela pesquisa é que, dentre as mulheres que sofreram violência, 52% mantiveram-se caladas. Somente 11% dirigiram-se até uma delegacia da mulher e 13% optaram pelo auxílio da família. Cabe destacar, ainda, que as agressões mais graves ocorreram dentro da casa das vítimas, refletindo 43% dos casos, ante 39% nas ruas. Deste modo, demonstrado fica, em dados atuais, que uma em cada três mulheres foi vítima de alguma forma de violência no último ano. O número é preocupante, visto que é estimado que 503 mulheres brasileiras vítimas de agressão física a cada hora. Violência que de fato é percebida, visto que de acordo com a pesquisa, aproximadamente 66% dos brasileiros presenciaram alguma forma de violência de gênero contra mulher no ano 2016 (SANTOS, texto digital, 2017). Outro aspecto apresentado pela pesquisa faz referência a outro tipo de violência ao qual as mulheres vem sendo submetidas atualmente. O levantamento apontou que 40% das mulheres com idade superior a 16 anos sofreu algum tipo de assédio. Tais atos incluem; comentários desrespeitosos nas ruas, assédio físico em transporte público e (ou) ser beijada ou agarrada sem consentimento (SANTOS, texto digital, 2017). Uma particularidade apontada pela pesquisa é a de que os assédios mais graves ocorreram entre jovens com idade entre 16 e 24 anos, tendo como vítimas, 21 em sua grande maioria mulheres negras: “Só entre as vítimas de comentários desrespeitosos, 68% eram jovens e 42% mulheres negras. Já em assédio físico em transporte público, 17% eram jovens e 12% negras” (SANTOS, texto digital, 2017). Percebe-se, portanto, que o cenário de violência contra a mulher tem se agravado nas últimas décadas. Esta a sensação de 76% das mulheres, ainda de acordo com a pesquisa (SANTOS, texto digital, 2017). Finalmente, infere-se o quão importante é a cada dia tornar as leis e políticas públicas mais voltadas para questões que passam pela sociedade atual. O Brasil, infelizmente, caminha em passos lentos na pretensão da igualdade de condições e direitos, tendo por consequência um longo caminho na busca da aplicação da justiça. O direito das mulheres a uma vida livre de violência é um axioma premente. De modo que, a estas, se faz necessário corrigir a carência de resguardo social e jurídico. À vista disso, diante da evolução da sociedade, novas espécies delitivas vêm surgindo, a exemplo da “pornografia de vingança”. Portanto, o emprego de mecanismos que penalizam tal conduta, é meio indispensável para a consecução da dignidade da mulher. 22 3 CRIMES VIRTUAIS Através da Internet ficamos diante de uma quantidade incrível de informações, que possibilitam a qualquer pessoa interessada pesquisar sobre determinado assunto. Essa propensão é somente uma dentre tantas outras que essa ferramenta nos proporciona. Pode-se dizer que este é o lado bom da internet. Porém, existe outro lado mais obscuro. O meio digital, tem servido de ferramenta para a prática de crimes, por ser um instrumento disponível à população em geral, o mundo virtual tornou-se campo fértil para criminosos que se utilizam desse meio para a consecução de seus delitos, como a pedofilia através de sites que disponibilizam conteúdo relacionado a abuso sexual infantil, calúnia e difamação com a divulgação de informações muitas vezes mentirosas. Contudo, recentemente tem surgido uma nova modalidade criminosa intitulada de pornografia de vingança, crime que refere-se ao ato de divulgar através da internet, material de cunho íntimo sem o consentimento da pessoa exibida, com intento de lhe provocar algum dano. Tema este, que adiante será aprofundado neste estudo. Segundo Rossini (2004, p. 110): O conceito de “delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade. 23 O bom funcionamento da sociedade brasileira depende do uso da internet. No entanto, a legislação não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento tecnológico que o país tem experimentado. Cita-se o Código Penal Brasileiro, sancionado no período em que o meio de comunicação mais usual era o rádio, na década de 1940 (OLIVEIRA, 2013). Nesse ínterim, pode ser visto um evidente decurso temporal e uma consequente inércia de penalidades perante o ordenamento jurídico nacional, visto que a Convenção sobre o Ciber-crime, mais conhecida como a Convenção de Budapeste, é datada de 23 de novembro de 2001 (MEDEIROS, 2010). Conforme Silva (2000, p. 4): Os crimes tradicionais relacionados à informática, descritos na legislação penal em vigor, mereceriam ser definidos em lei especial, para melhor interpretação e adequação. Com os recursos que a informática pode oferecer, a conduta delituosa chega quase que a perfeição dificultando, em muito, a sua identificação. Segundo Gatto (2011, texto digital), os crimes na internet podem ter definições puramente virtuais, mas seus efeitos são prontamente verificados no dito “mundo real”, pois atualmente não se pode separar essas duas definições, pois os crimes cometidos na esfera virtual têm grande reflexo no cotidiano da sociedade. Para Oliveira e Dani (2011, texto digital), infelizmente, a criminalidade na internet tem avançado mais rapidamente do que a legislação pátria, de modo que há uma ausência quase total de poder punitivo por parte do Estado, sendo que os meios para se conhecer a autoria do crime ainda passam por aprimoramentos, crimes tais que vêm se tornando cada vez mais frequentes em nosso país. A lentidão por parte do Legislativo em tipificar claramente essas condutas vem criando uma atmosfera de “terra sem lei” na internet. Esse sentimento de impunidade vem diante da dificuldade de identificação dos criminosos, como também diante da demora do Judiciário em punir essas condutas. O Brasil, durante anos, apoiou-se no entendimento de que a totalidade de condutas criminosas presentes no meio virtual poderiam ser contidas somente com a legislação penal vigente. Sendo assim, o Poder Legislativo brasileiro permaneceu 24 inerte resistindo ao propósito de criar novos tipos penais a fim de criminalizar as condutas praticadas por meio das ferramentas cibernéticas (OLIVEIRA, 2013). Assim, é possível verificar que a legislação nacional carece de uma urgente reformulação a fim de adequar-se a essa hodierna tendência universal, para dessa forma não depender de analogias jurídicas para a adaptação delituosa do autor do crime virtual. 3.1 Direito e internet No momento digital que no encontramos, inimaginável seria a vida, o estudo e até mesmo o trabalho sem a internet. Apesar dos inúmeros benefícios, a dependência dessa ferramenta trouxe consigo uma série de situações-problemas que surgem correntemente em nossa sociedade. Para Evaristo e Cézar (2014, texto digital), o tema versado “possui grande relevância não somente para a matéria do Direito, mas também para a Informática e correlatos e Comunicação Social, tendo em vista que a Internet é uma das mídias mais requisitadas em nosso país”. Dessa forma, se a sociedade está em incessante evolução e transformação, o Direito em suas diversas extensões, deve acompanhar esta propensão. A área jurídica é provocada pela celeridade dos avanços do meio digital, visto que se faz necessário regulamentar as relações sociais que ocorrem no âmbito tecnológico. Para Evaristo e Cézar (2014, texto digital): [...] o termo "Direito Digital" tem se tornado popular no Brasil para indicar questões jurídicas relativas à Internet. Enfim, é um campo do Direito que se propõe a estudar aspectos jurídicos do uso de computadores e da tecnologia da informação em geral, com fundamento no crescente desenvolvimento da Internet e na importância da tecnologia da informação e da informática nas relações jurídicas, sendo por isso, uma nova área do estudo do Direito. A Constituição Federal, em seu Artigo 5º, inciso X, estabelece que a privacidade seja um direto básico da pessoa. Portanto, a tutela constitucional refere- 25 se, também, à proteção à imagem da pessoa perante aos meios de comunicação. Pode isso, é possível estender a noção de privacidade e intimidade ao espaço virtual. Segundo os ensinamentos de Greco e Martins (apud SILVA; BÁRBARA; CABRELLI, texto digital, 2012): A Internet tornou a privacidade de todo o cidadão que a ela tem acesso inexistente, pois sujeito a assaltos dos predadores dos sistemas, nada obstante os esquemas de segurança e, muitas vezes, sem que o lesado tenha conhecimento de que seu sistema pessoal foi assaltado. É possível observar nas palavras de Leonardi (2015), que nenhum governo exerce um controle absoluto na internet, uma vez que, se trata de um conjunto de dimensões globais, totalmente interconectado. Por isso, inúmeros países até o momento não criaram nenhuma regulamentação específica para o uso desta tecnologia. A regulamentação da rede é efetuada dentro de cada país, que é livre para estabelecer regras de utilização, hipóteses de responsabilidade e requisitos para acesso, atingindo apenas os usuários sujeitos à soberania daquele Estado. Como forma de impedir, investigar e reprimir condutas lesivas na rede, são por vezes necessários esforços conjuntos de mais de um sistema jurídico, dependendo da localização dos infratores e dos serviços por eles utilizados (LEONARDI, p. 11, 2005). A falta de regulamentação específica, gera uma insegurança jurídica, tendo como principal bem atingido, a privacidade do usuário da rede (ASSIS, 2015). Para Leonardi (2012), a ausência de normatização e a carência de tecnologia capaz de opor-se aos casos de violação da intimidade, dificultam a contenção e a punição dos ofensores. Segundo o autor: Esse quadro é particularmente preocupante em relação a privacidade, cuja violação é exponencialmente facilitada pelas mesmas características e peculiaridades que tornam a internet tão atraente, a tremenda facilidade de disseminação, de busca e de reprodução de informações em tempo real, sem limitações geográficas aparente (LEONARDI, 2012, p. 42). Essa falta de mecanismos que norteiem com especificidade a matéria, revela um sentimento de impunidade e anonimato, a quem por má-fé faz uso da internet para cometer crimes como por exemplo, divulgar conteúdo privado na rede. À vista disto, somente através de um objetivo acompanhamento do campo jurídico nas demandas virtuais se fará possível nos conduzir às mudanças 26 necessárias. Por se tratar de uma tecnologia imprescindível para a sociedade moderna, mesmo com seu difícil controle em vista da celeridade de seu desenvolvimento, merece e carece de uma efetiva atuação do Direito. 3.2 Crimes contra a honra na internet Atualmente, a internet se tornou substancial para boa parte da população mundial, meio pelo qual é possível estudar, pesquisar, namorar e inclusive trabalhar. Porém, lamentavelmente, alguns indivíduos têm utilizado esse meio para práticas delituosas. A evolução dos meios tecnológicos tem mudado a forma de comunicação e relacionamento entre as pessoas, tornando possível transpor limites culturais e demográficos. Porém, uma das adversidades do Direito, faz relação aos limites impostos no que se refere a liberdade de expressão no ambiente virtual. Em conformidade com o artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: Artigo 11. A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, embora deva responder pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, texto digital). Em igual juízo, expressa o artigo 5º IV da Constituição Federal: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O referido artigo, ainda em seu inciso XIV fomenta ser: “[...] assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. A Constituição Federal garante a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato. No entanto, caso esta exteriorização acarrete em dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta proporcional à afronta, além da indenização (LENZA, 2008). A temática aqui apresentada tem por objetivo esmiuçar as perspectivas jurídicas e criminais do universo virtual. Visando examinar a incerteza acerca do 27 alinhamento da norma penal em detrimento dos crimes contra a honra na internet e seu impacto no plano jurídico. Os crimes contra a honra, proliferam-se com certa facilidade com o uso da internet, ficando ainda mais evidentes com o uso das novas tecnologias. Com o surgimento de sites de relacionamento e aplicativos para troca de mensagens, ofender e ser ofendido, direta ou indiretamente acabou se tornando corriqueiro na vida de quem acessa a rede. Como já citado, existem várias formas de crimes na internet. Estes podem ser praticados de inúmeras maneiras, por pessoas diferentes, em diversos lugares. Para melhor entender o delito estudado, preliminarmente se faz imperioso verificar se a conduta possui ou não previsão no ordenamento jurídico vigente. Em caso positivo, verificar sua pena e modo de reparação do dano. Porém se ainda não está relacionado dentre os delitos passíveis de sanção, averiguar como estes vêm sendo tratados pelo judiciário. De acordo com Buzzi (2015, p. 71): No Brasil, a divulgação de fotos, vídeos e outros materiais com teor sexual sem o consentimento dos envolvidos pode ser interpretada pela Justiça como crime, além de passível de indenização moral e material na esfera cível. Os crimes contra a honra se dividem em injúria, calúnia e difamação, estão contemplados no Código Penal, artigos 138, 139 e 140. Importante se faz a distinção entre essas divisões. Para Jesus (2007, p. 156), calúnia crime de calúnia se configura em: A calúnia constitui crime formal, porque a definição legal descreve o comportamento e o resultado visado pelo sujeito, mas não exige sua produção para que exista crime, não é necessário que o sujeito consiga obter o resultado visado, que é o dano a honra objetiva do agente. A difamação se encontra definida no Código Penal, artigo 139, que preceitua: “Difamar alguém, imputando- lhe fato ofensivo à sua reputação”. Para Bitencourt (2010), o bem jurídico tutelado pelo art. 139 do Código Penal, a exemplo do crime de calúnia, é a honra, isto é, a reputação do indivíduo, a sua boa fama, o conceito que a sociedade lhe atribui. Ademais ensina: 28 A tutela da honra, como bem jurídico autônomo, não é um interesse exclusivo do indivíduo, mas a própria coletividade interessa-se pela preservação desse atributo, além de outros bens jurídicos, indispensáveis para a convivência harmônica em sociedade. Quando certas ofensas vão além dos limites suportáveis, justifica-se a sua punição, podendo configurar- se um dos crimes contra a honra disciplinados no nosso ordenamento jurídico (BITENCOURT, p. 336, 2010). Jesus (2007, p. 225) expõe as principais diferenças do crime de difamação para com os demais delitos contra a honra: Difere da calúnia e da injúria, enquanto a calúnia existe imputação de fato definido como crime, na difamação o fato é meramente ofensivo a reputação do ofendido. Além disso, o tipo de calúnia exige elemento normativo da falsidade da imputação, o que é irrelevante no delito da difamação. Enquanto na injúria o fato versa sobre qualidade negativa da vitima, ofendendo-lhe a honra subjetiva, na difamação há ofensa à reputação do ofendido, versando sobre fato a ela ofensivo. Finalmente, resta conceituar o crime de injúria explícito no Código Penal em seu artigo 140: “Injuriar alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro”. Também tendo como objeto de proteção a honra, a tipificação do delito da injúria difere dos outros dispositivos analisados acima. A diferença repousa no fato de que esse crime ofende a honra subjetiva, ou seja, a pretensão de respeito à dignidade humana, configurada pela concepção que temos de nós mesmos (FARIAS, 1996). Por falta de uma legislação específica a fim de oferecer limites à liberdade de expressão nos meios virtuais, aos autores desse tipo de conduta vem sendo aplicadas as penas dos crimes contra a honra previstos no Código Penal, como é possível verificar nas jurisprudências abaixo relacionadas: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. 1. A queixa-crime descreve conduta criminosa de difamação, em tese, em detrimento de pessoas distintas, praticada pelo querelado em concurso formal, conforme art. 703, segunda parte, do Código Penal. 2. Incide-se na espécie delitiva a agravante da pena prevista no artigo 141, III, do Código Penal, tendo em vista que perpetrado por meio que facilitou a sua divulgação, qual seja a internet. 3. A fixação da competência decorre da soma das penas máximas abstratamente cominadas aos delitos apontados, o que ultrapassa o limite fixado no artigo 61, da Lei nº 9099/95. Precedentes. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA IMPROCEDENTE. (Conflito de Jurisdição Nº 70074323429, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em 27/09/2017) (RIO GRANDE DO SUL, texto digital, 2017). 29 PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INJÚRIA. DIFAMAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXCLUSÃO. INVIABILIDADE. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VALOR PROPORCIONAL AO DANO CAUSADO. DESPROVIMENTO. Incabível alegação de improcedência da indenização por danos morais, se amplamente demonstrado nos autos, grave lesão sofrida pela vítima, diante da exposição vexatória a que foi submetida. A indenização, arbitrada a título de danos morais, deve mostrar-se proporcional e razoável, fixada com prudência, apta a reparar prejuízos psicológicos, morais e materiais suportados pela vítima. Apelo conhecido e desprovido. Breve resumo dos fatos: "[...] Trata-se de Queixa-Crime oferecida por Maria Gabrieli da Silva Guedes, qualificada nos autos, apresentada, por meio de Defensor Público, o qual atribui a Felipe Daniel Dávila, já devidamente qualificado nos presentes autos, a prática, contra si, dos crimes previstos nos arts. 139 e 140, caput, do Código Penal Brasileiro. Narra ainda a queixa-crime que no dia 09 de maio de 2016, às 11h02min, por meios de comunicação, redes sociais, em específico - facebook e aplicativo - whatsapp, o Querelado Felipe Daniel Dávila teria injuriado e difamado a honra de Maria Gabrieli da Silva Guedes, por meio dos seguintes termos" puta ", que a boca da querelada parecia um galinheiro de tanto pinto que entrava," gabi boca de esperma... "(trecho extraído da sentença, fl. 57) (TJ-AC - APL: 07055584620168010001 AC 0705558-46.2016.8.01.0001, Relator: Des. Elcio Mendes, Data de Julgamento: 28/09/2017, Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/09/2017) (ACRE, texto digital, 2017). Disso se extrai, que diante da magnitude da conduta, somada à falta de uma legislação específica, faz com que em geral a pena aplicada seja considerada ínfima em relação aos malefícios trazidos às vítimas. Daí a sensação de impunidade. Visto que, como já mencionado anteriormente neste trabalho, ao publicar qualquer tipo de ofensa no meio virtual, a mesma toma proporções gigantescas, pois muitas vezes, foge do controle do autor do fato, uma vez que se torna visível imediatamente á milhares de pessoas. Assim é possível afirmar que toda e qualquer conduta delituosa na internet deve ser vedada, traçando limites a essa forma de expressão. Mesmo tendo o direito constitucional de expor seu pensamento, o ser humano ao se manifestar de modo preconceituoso ou em inconformidade com as leis, deve este, assumir o produto do seu ato. 3.3 Vingança pornô: o conceito Em virtude da popularização da internet, o fenômeno da vingança pornô alcançou visibilidade nos últimos anos, resultando em mais uma forma de violência cruel contra a mulher. 30 A pornografia de vingança ou revenge porn (termo em inglês) é um vocábulo recentemente criado nos Estados Unidos, que se refere ao feito de divulgar por meio da internet, fotos ou vídeos contendo cenas de sexo ou nudez, sem o consentimento da pessoa que está sendo exibida, com o intuito de provocar dano à vítima (GONÇALVES; ALVES, 2017). Para Gonçalves e Alves (2017), esse comportamento teve início na década de 80 nos Estados Unidos, quando uma revista adulta masculina circulou com uma nova seção em suas páginas denominada Beaver Hunt (Caçada ao Castor), em que a intenção era divulgar em suas páginas fotos de mulheres comuns nuas, em poses cotidianas, muitas vezes tiradas em locais públicos. Tais imagens era enviadas pelo próprios leitores; logo a seção tornou-se o centro de diversos processos movidos pelas mulheres expostas, visto que jamais tivessem consentido nem com o envio, nem com a publicação de suas imagens. Porém, atualmente, o intuito do agressor geralmente é outro. Tal ato vem sendo uma forma de vingar-se de alguém que o feriu, pôs fim ao relacionamento, seguiu outro rumo ou quaisquer outros motivos que ele ache conveniente. Isso foi facilitado com o advento da internet e o desenvolvimento de tecnologias fotográficas de baixo custo. Juntamente com uma mudança comportamental no que se refere ao interesse por conteúdo pornográfico amador não consentido, através da divulgação inadvertida de material de cunho sexual de pessoas comuns, com o objetivo de constranger parceiras sexuais (GONÇALVES; ALVES, 2017). Para Burégio (2015, texto digital): O termo consiste em divulgar em sites e redes sociais fotos e vídeos com cenas de intimidade, nudez, sexo à dois ou grupal, sensualidade, orgias ou coisas similares, que, por assim circularem, findam por, inevitavelmente, colocar a pessoa escolhida a sentir-se em situação vexatória e constrangedora diante da sociedade, vez que tais imagens foram utilizadas com um único propósito, e este era promover de forma sagaz e maliciosa a quão terrível e temível vingança. Segundo os ensinamentos de Varella (2016), o termo “vingança” justifica-se, pois, na maior parte dos casos, o conteúdo foi produzido de forma consensual no âmbito da relação. Posteriormente, motivado pelo fim do relacionamento, essas imagens são difundidas no intento de causar algum dano ao ofendido. 31 A autora prossegue ao ressaltar que essa conduta criminosa não finda com a divulgação da imagem ou vídeo: [...] ela continua ocorrendo pelos autores de compartilhamentos; prolongando, destarte, o sofrimento e exposição da vítima. Assim como é quase impossível remover todo o conteúdo da rede de computadores é, também, identificar aqueles responsáveis por continuar a disseminação (VARELLA, texto digital, 2016). No Brasil, essa prática inicialmente vinha ocorrendo de forma acanhada, em casos esporádicos, porém recentemente essa atividade tem ganhado força, a disseminação de conteúdo íntimo não autorizado tem se tornado uma forma comum de vingança, onde o propósito do agressor muitas vezes é somente uma forma de revide ao antigo parceiro que findou o relacionamento ou seguiu outros rumos. As vítimas expostas a esse tipo de violência sofrem uma expressiva carga emocional e social, ficando sujeitas a situações constrangedoras e até mesmo ameaçadoras. Como resultado dessa exposição indevida, as vítimas comumente são perseguidas e ameaçadas, podendo muitas vezes ser obrigadas a abandonar suas vidas “normais”. Rendendo-se assim, ao intento do ofensor. Indispensável se faz destacar que a pessoa vítima deste ato invasivo e criminoso, é detentora de direitos, por isso, deve ter sua honra e dignidade respeitadas, seu nome, identidade e imagem zelados. Por essa razão, quaisquer que sejam as cenas carnais, obscenas, por elas praticadas, estas importam e interessam somente a ela. 3.3.1 Sexting A evolução das hoje conhecidas “redes sociais”, gera diariamente uma quantidade extraordinária de informações, fazendo com que as pessoas que estejam em busca de qualquer informação, às encontre com certa simplicidade. Essa facilidade é somente uma diante das fartas possibilidades gerada por essa forma de comunicação. Para Araújo (2017, texto digital), o avanço da tecnologia e o expressivo aumento do uso da internet móvel trouxe à tona o fenômeno popularmente batizado de sexting 32 (troca de conteúdo erótico via celular), derivado das palavras sex (sexo) e texting (envio de mensagens), ou conhecido popularmente como nudes no Brasil. De acordo com estatísticas apresentadas pela Safernet (2015) (organização não governamental, sem fins lucrativos, que reúne cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito com a missão de defender e promover os Direitos Humanos), são jovens de 16 a 24 anos quem mais acessam a internet no Brasil, totalizando 78% da audiência. A troca de mensagens eróticas entre duas pessoas envoltas em um relacionamento não é uma novidade. Todavia, com o avanço dos sistemas de comunicação, o que mudou é a rapidez com que esses dados podem ser copiados, divulgados e compartilhados nas mais diferentes plataformas virtuais. Por consequência, tornando-se acessíveis a uma quantidade inestimável de pessoas. Visto que, ao sair de nossas mãos, muitas vezes esses dados ficam fora de nosso controle. Segundo o site internet segura, o sexting é particularmente comum entre jovens e adultos. O envio de mensagens e imagens de natureza íntima geralmente ocorre no contexto de uma relação de afeto, tendo as mais diversas motivações:  Fornecer uma "prova de amor "pelo envio de fotos eróticas;  Desejo de afirmar audácia e autoconfiança exibindo o corpo de forma sedutora;  Solicitação do parceiro(a) para fazê-lo sob chantagem emocional;  Ser convencido por alguém a fazê-lo durante uma conversa online;  Envio por vingança de fotos ou mensagens de terceiros;  Envio por erro (em especial a partir de um telemóvel). (RISCOS, texto digital). Com o avanço das tecnologias, filmar, distribuir e compartilhar se tornou algo extremamente fácil. Porém, quando uma relação finda em conflito, muitas vezes as mensagens e fotografias, antes de cunho privado, se tornam públicas. O infortúnio ocorre quando difundem algo inconveniente, ignorando dessa forma, sua dignidade, honra e a nocividade trazida à vítima. Nestes casos, sendo necessário mobilizar o Poder Judiciário a fim de ter seu direito garantido, sua imagem protegida e retirado do universo virtual. 3.4 Perfil da vítima e autor 33 Muitas vezes traídas pela boa-fé e confiança no relacionamento, mulheres que consentiram em ter momentos íntimos gravados acabam expostas perante toda a sociedade, passando a ser julgadas e culpabilizadas diante da fruição de sua liberdade sexual. [...] a mulher é simbolicamente punida, relembrada de que nas mãos masculinas reside o poder de decisão sobre o corpo feminino: poder de dispor do corpo da mulher, senão para seu próprio prazer, mas para dar prazer (não consentido) a outros olhares masculinos (BUZZI, p. 44, 2015). A sociedade, ao esquecer, ou de certo modo até tolerar o caráter ilícito da conduta do autor, acaba por erroneamente imputar a culpa à vítima. Esta que no pleno gozo de sua liberdade sexual restou traída, tendo sua intimidade desvendada. Assim, a coletividade desconsidera que o erro consiste na divulgação ilícita e não na vivência sexual. Para que as mulheres se antecipem ao risco da divulgação criminosa, em alguns contextos, são feitas sugestões que, embora não condenem o exercício da sexualidade feminina, orientam mulheres a manterem o sexo na esfera da intimidade, enfatizando certas moralidades restritivas e perpetuando práticas de culpabilização e julgamento moral da vítima. O corriqueiro conselho “melhor não fazer” traz implícitas convenções de gênero e sexualidade que associam o desejo e comportamento sexual masculino à predação, ao passo que às mulheres caberiam freios, precaução e controle” (ALMEIDA, p. 12-13, 2016). Geralmente, mulheres com uma personalidade exibicionista e ludibriadas pela ingenuidade de confiar algo tão significativo a outra pessoa, apontam como vítimas dessa conduta. Pois acreditam, que somente se trata de uma simples foto nua para o companheiro e que este em nenhum momento ira expô-la. Para Araújo (2017, texto digital), o autor desse tipo de conduta geralmente apresenta um perfil possessivo, carente, ciumento e chantagista. Contudo, o que comumente acontece, é que alguns jovens do sexo masculino, na tentativa de se auto promover, compartilham com amigos fotos e vídeos de natureza íntima, que uma vez no ambiente virtual, se espalham rapidamente sem nenhuma forma de controle. Araújo ainda aponta a existência de outro perfil de autor, este que, após a descoberta de uma traição, ou mesmo motivado pelo término da relação, expõe a vítima a fim de se vingar, dessa forma, denegrindo sua imagem, destruindo sua 34 reputação perante a sociedade, no intuito de causar à vítima, a mesma dor que estaria sentindo. Importa destacar que a vítima filmada ou fotografada sem seu consentimento, sofre os mesmos malefícios dos casos onde houve permissão. Nesses casos, à pessoa exposta, é atribuído o fato de não ter agido com zelo e vigilância adequada, também o fato de envolver-se com pessoa de mau caráter. 4 PROTEÇÃO DA MULHER CONTRA A “PORNOGRAFIA DA VINGANÇA” Diante do que já foi estudado até o momento, é permitido asseverar que durante um logo período as mulheres foram submissas aos mandos e desmandos de seus maridos, pais, etc. Muitas vezes, eram agredidas e violentadas dentro de suas próprias casas. Devido à inexistência de uma legislação específica, esses abusos físicos e mentais seguidamente ficavam impunes. O advento da intitulada Lei Maria da Penha, pode ser considerado marco mais importante pela busca dos direitos das mulheres. Uma vez que, este ordenamento confere mecanismos de proteção e uma maior rigidez no que confere a punição dos agressores. Recepcionados pela Constituição brasileira de 1988, os direitos à inviolabilidade da intimidade e da vida privada foram afiançados no inciso X do art. 5º, aparecendo como expressões do direito à liberdade que é atestado no caput do 35 referido dispositivo legal. É possível extrair das definições apresentadas, “que o direito de privacidade, no qual está inserido o direito à intimidade, se caracteriza como um direito à liberdade, como um direito a ter paz na vida pessoal e familiar” (GUIMARÃES; DRESCH, 2014, texto digital). As autoras complementam dizendo: [...] havendo violação da intimidade sexual e da privacidade de uma mulher, é certo que haverá afetação da sua paz. Considerando que a exposição pode ser feita, em tempos atuais, por meio da rede mundial de computadores, o tempo não aparece como fator positivo para que a exposição seja esquecida, para que permaneça no passado de quem teve seus direitos à intimidade e privacidade violados. E sendo incalculável o dano à pessoa, deve-se esperar que o Estado promova uma proteção mais eficaz a tais direitos fundamentais, reprimindo os atos de violação com atenção à proporcionalidade do dano e da perda da paz (GUIMARÃES; DRESCH, texto digital). Não obstante, para que os direitos fundamentais relacionados na Constituição Federal possam ser de fato garantidos, se faz necessário a elaboração de leis e o emprego de políticas públicas aptas a combater a violência contra a mulher. Bem como, resta essencial uma conversão dos valores da sociedade. Para Melo Júnior (2016, texto digital), conforme levantamentos estatísticos, no Brasil, a pornografia de vingança foi um dos crimes virtuais que tiveram um aumento relevante de reclamações ajuizadas. Devido ao crescimento das ocorrências, esse meio de agressão reivindica soluções através da atuação do Poder Público, “seja sob a perspectiva de processar e julgar de forma adequada esses crimes, seja por práticas de informação e conscientização da sociedade a respeito das sérias consequências que exposições no ambiente virtual têm sobre a vida das vítimas”. Em razão do crescimento das ocorrências, a pornografia de vingança carece de soluções por intermédio da atuação do poder público, processando e julgando de forma adequada os agressores e também, através da conscientização da sociedade em relação ás sérias consequências que a exposição dessa intimidade causa às vítimas. 36 4.1 Evolução da proteção da mulher É possível afirmar diante do que foi exposto até o momento que a violência contra a mulher se tornou cultural e que através dos séculos foi admitida naturalmente como uma forma de tratamento social. Por conseguinte, mesmo quem não a praticava a tolerava como algo natural na sociedade. Importante salientar que essa violência não é apenas física, mas também moral, sexual e econômica, devendo ser caracterizada como uma grave forma de negação dos direitos de liberdade, saúde e dignidade humana. Em síntese, pode ser encarada como uma das mais opressivas formas de violação aos direitos humanos (LIMA; SANTOS, 2009). Essa forma de violência recebeu na sociologia a alcunha de “violência de gênero”. Tal fraseologia tem sido utilizada pela doutrina jurídica diante do diagnóstico de que “as relações entre homens e mulheres são constituídas socialmente e se fundam em poder” (LIMA; SANTOS, p. 23, 2009), devido à condição de subalternidade das mulheres dentro da sociedade brasileira: A violência de gênero, em uma relação íntima, refere-se a qualquer comportamento que cause dano físico, psicológico ou sexual àqueles que fazem parte da relação. Esse comportamento inclui: Atos de agressão física – tais como estapear, socar, chutar e surrar. Abuso psicológico – tais como intimidação, constante desvalorização e humilhação; Relações sexuais forçadas e outras formas de coação. Vários comportamentos controladores – tais como isolar a pessoa de sua família e amigos, monitorar seus movimentos e restringir seu acesso às informações ou à assistência (LIMA; SANTOS, p. 22, 2009). Em igual sentido, a Convenção de Belém do Pará (1994, texto digital) prevê: “[...] por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. Disso se condensa que a violência contra a mulher encerra algumas peculiaridades que a diferencia das outras formas de violência, dentre elas: a hierarquia de gênero; a relação de conjugalidade ou afetividade entre os envolvidos, e a habitualidade da violência (LIMA; SANTOS, 2009). 37 Ao longo da história, a mulher continuadamente foi vítima da violência, muitas vezes tratada como um ser submisso, sem vontades e direitos, para alguns, sua importância era apenas no que diz respeito à reprodução. Desse modo, tendo direitos abortados tanto pelas religiões, ordenamentos jurídicos, bem como pelos costumes das mais copiosas sociedades. Porém, em meados do século XX, teve início um engajamento social mundial, uma luta pelo amparo aos direitos das mulheres, sinalizando ao mundo que não era mais permissível o pensamento de baixeza jurídica por gênero (OLIVEIRA, 2015). A autora ainda aduz que, por conseguinte, surgiram em nosso ordenamento jurídico inúmeras deliberações a fim de encontrar meios para combater essa forma de violência, com o propósito de que o rol de agressões fosse dirimido, possibilitando, assim, uma maior paz social. O ponto de partida se deu quando o Brasil assinou e ratificou em 1994 a Convenção da Organização das Nações Unidas que roga pela Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e, posteriormente, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz a atual concepção de direitos humanos, pela primeira vez, o princípio da dignidade da pessoa humana é tido centro orientativo dos direitos e motivador de textos constitucionais posteriores. Neste sentido, dispõe o art. 3º da referida Declaração: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, texto digital, 1948). Ao analisar o artigo acima referido, é possível aferir o quanto as normas visam a salvaguardar as pessoas. Porém, importa salientar que nem sempre elas funcionam na prática como na forma escrita, pois se sabe que a história da humanidade é permeada de confrontos em busca de domínio. Como exemplo disso, há o fato de que as mulheres, outrora, não eram possuidoras de liberdade nem autonomia inerente ao próprio corpo, sendo tratadas como pertencentes aos maridos. Isto posto, constata-se que tal violência não é um fato atual, mas sim um fato perpetuado há séculos (PRESSER, 2014). 38 Perscrutando os direitos humanos das mulheres no Brasil, importante salientar que a Constituição Federal de 1988 atentou-se com a igualdade de gênero (SILVA; SILVEIRA, 2010), o que trouxe numa genuína transmutação de paradigma do direito brasileiro. Pela primeira vez na história constitucional brasileira, houve a igualdade entre homens e mulheres como um direito fundamental, nos termos do artigo 5º, inciso I da Constituição Federal. O princípio da igualdade entre os gêneros é afiançado no âmbito da família, a partir do momento em que o texto estabelece que os direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal são empreendidos igualmente por homens e mulheres (PITANGUY, 2010). Em 1983, na cidade de Fortaleza, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de tentativa de homicídio com um tiro de arma de fogo nas costas por parte de seu marido, Antônio Heredia Viveiros. Durante a recuperação, Maria sofreu nova tentativa de homicídio pelo mesmo autor, ao tentar eletrocutá-la durante o banho. O caso foi submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 20/8/1998, sob a alegação de tolerância à violência contra mulher no Brasil, uma vez que até então o agressor não havia sido punido. Sendo a República Federativa do Brasil foi condenada como Estado violador, vindo a ser responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra a mulher. Sendo esse caso, o precursor na condenação de um Estado devido à violência doméstica (SANTOS, 2014). Para Buzzi (2015), a sobredita lei estabeleceu meios para reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi reconhecida como uma das mais avançadas do mundo no que se refere à defesa da mulher. Como forma de homenagem foi intitulada com o nome da brasileira Maria da Penha Fernandes, vítima que buscou perante o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, a responsabilização do governo brasileiro pela omissão em agir de modo a processar o agressor, acusado de grave violência física e psicológica. É possível afirmar, que o direito é fortemente influenciado pelas transformações hodiernas da sociedade. Presenciamos a todo o tempo a manifestação de novos tipos legais. E, devido à singularidade das relações interpessoais, somada a diversidade cultural, tais fatos ainda surpreendem os operados do direito em geral. 39 4.2 Análise sobre os princípios constitucionais sobre o tema O princípio da liberdade, igualdade e da solidariedade, previstos pela Constituição Federal, vem sendo oprimidos a cada momento que ocorre uma espécie de abuso do homem sobre a mulher. Por ser o texto constitucional uma carta permeada de princípios, também por ser a partir dela que emerge todo o direito, é permitido afirmar que os princípios constitucionais deixaram de convir como meros orientadores, mas sim acaba por se tornar substancial para a obtenção da justiça no direito brasileiro. Para Guimarães e Moreira (2009, p. 36), ao analisar a evolução dos direitos humanos: [...] a preocupação com os direitos humanos tornou-se mais aguda no pós guerra, quando a ONU faz a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as revoluções constitucionais pouco a pouco vão enterrando os regimes nacionalistas de governo na Europa. A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana, na Declaração e, posteriormente, nas Constituições alemãs, de Portugal e de Espanha, carrega necessária e inexoravelmente junto o reconhecimento de direitos humanos. Assim, demostrado fica, que a ONU foi o marco principal para a efetiva proteção dos direitos humanos. Fazendo com que todos os Estados a ela ligados respeitassem tais direitos. Para Mendonça e Britto (2011, texto digital), “o direito à liberdade, é um princípio resguardado pela Constituição Federal o qual garante livre direito a escolhas e decisões, sem precisar da anuência de terceiro. Pois a liberdade é que vai possibilitar que o homem se desenvolva”. Os autores prosseguem ao asseverar que o reconhecimento do princípio da igualdade é marco importante na luta pela isonomia plena entre as pessoas. Tal conquista é corolário de inúmeros avanços culturais, sociais e científicos (MENDONÇA e BRITTO, 2011). O “caput” do art. 5º da Constituição Federal de 1988 menciona que: 40 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do seu direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Para Maria Berenice Dias, “leis voltadas a parcelas da população merecedoras de especial proteção procuram igualar quem é desigual, o que nem de longe infringe o principio isonômico” (2007, p. 55). Assim, o princípio da igualdade vem socorrer as mulheres vítimas de qualquer forma de violência familiar, deixando de lado um passado no qual era discriminada e não possuía nenhuma tutela especial da justiça. Segundo Humberto Ávila (2009, p. 152), “As pessoas ou situações são iguais ou desiguais em função de um critério diferenciador.” O autor defende que esse ideal de paridade deve ser aplicado de forma correta, visto que, as pessoas são diferentes umas das outras, por isso devem ter suas diferenças respeitadas na medida de cada uma delas. Em pontos iguais, devem ser tratadas de maneira semelhante, porém nos casos de consideráveis diferenças, é dever observar e respeitar, aplicando assim a igualdade em função de um critério diferenciador. Mendonça e Britto (2011, texto digital) ensinam que: Reza a Constituição que todos são iguais perante a lei, devendo tratar de forma igualitária os cidadãos, seja essa igualdade na forma da lei ou igualdade material, exige isonomia no tratamento dos casos similares. É, portanto, a própria Constituição Federal que afirma que essa igualdade deve ser garantida a toda e qualquer pessoa. Os mesmos autores ainda apontam o princípio da solidariedade. Este deve existir em qualquer relação, sendo dever de um cidadão para com outro. A partir desse ideal de reciprocidade, se faz possível a ocorrência de uma vivencia em sociedade mais justa e digna (MENDONÇA; BRITTO, 2011). Lôbo (2010, p. 56) certifica que: O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade. Como verificado por Lôbo (2010), a solidariedade adveio da superação do direito individualista, em qual as pessoas só se preocupavam com elas próprias 41 vindo a compor um momento mais sublimado, onde as pessoas pensam mais nas outras, gerando dessa forma, um bem estar para toda a sociedade. O autor afirma existir uma relação de solidariedade entre os seres humanos, que sucedem da ética e da moral, valores indispensáveis entre os integrantes de uma sociedade. Já, em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em seu 1º artigo, inciso III, diz: Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana Neste sentido Dias (2008. p. 56) se posiciona: Para as diferenciações normativas serem consideradas não discriminatórias, é indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável. E justificativas não faltam para que as mulheres recebam atenção diferenciada. O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão tornando-a vítima da violência doméstica masculina. Ainda que os homens possam ser vítimas da violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Por isso se fazem necessárias equalizações por meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, consequências de um passado discriminatório. Daí o significado da lei: assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial. Portanto, evidente fica que o principio da dignidade da pessoa humana ao defender e inibir ações de violência contra a mulher, esta sendo respeitado sem qualquer exagero. Por isso se fazem necessárias equalizações por meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, consequências de um passado discriminatório (BELLOQUE, p. 26, 2006). Os princípios constitucionais são fontes de sustentabilidade para todas as áreas do direito, estabelecendo tanto sua formação como sua aplicação. A edição de espécies normativas com o fito de combater a violência doméstica contra as mulheres é um importante passo a ser dado pelo poder público na busca da efetivação dessas prerrogativas constitucionais. Porém dada a evolução da sociedade, se faz imperioso um efetivo acompanhamento jurídico. Só assim, os 42 direito e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal serão realmente respeitados. 4.3 Legislação vigente em nosso ordenamento jurídico que tipifica a “pornografia da vingança” Até o momento atual, não existe nenhuma legislação especifica que tipifique a conduta mencionada. Porém, nossa magna carta retrata o assunto em parte e indiretamente, ao dizer que a pessoa que se sentir lesada em relação à intimidade, vida privada, honra e imagem, possui o direito de ingressar com ação judicial com o fim de buscar a merecida indenização pelo dano sofrido, com base no Art. 5º, inciso X da CF: Art. 5º, inciso X, CF/88 – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988). Significativo frisar que existe diferença entre a intimidade e a vida privada, enquanto a privacidade abrange um pequeno círculo de indivíduos, que ocasionalmente podem ter alcance a informações e fatos da vida da vítima (NEGROPONTE, 1995). De outro lado, por ser mais restrita, a intimidade se relaciona com o interior da pessoa, como segredos de qual a divulgação tragam constrangimento (PODESTÁ, 2005). Por conseguinte, àquele que é ferido com essa espécie de conduta é garantido por nosso ordenamento jurídico o direito a indenização pelo infortúnio sofrido, conforme prescrevem os artigos do Código Civil: Art. 12 - Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. [...] Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [...] Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê- lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. [...] 43 Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187 do código civil), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (BRASIL, 2002). Mesmo diante da possibilidade de indenização, é preciso atentar que o dano sofrido é irrecuperável, essa humilhação segue a pessoa por sua vida inteira, podendo acarretar em abalos psicológicos, morais e até físicos, “pois a internet é muito poderosa e retirar todo esse conteúdo seria praticamente impossível, devido aos dispositivos móveis que armazenam e ficam indetectáveis” (ARAUJO, 2017, texto digital). À vista disso, a pornografia de vingança fere o principio da dignidade da pessoa humana previsto no Artigo 1º, inciso III, da Constituição de 88, que nada mais é do que o cerne de todo nosso ordenamento jurídico, para Donizetti (2012, texto digital): [...] A dignidade da pessoa humana consiste em um valor constante que deve acompanhar a consciência e o sentimento de bem-estar de todos, cabendo ao Estado garantir aos seus administrados direitos que lhe sejam necessários para viver com dignidade (direito à honra, a vida, à liberdade, à saúde, à moradia, à igualdade, à segurança, à propriedade, entre outros). Ao explanar sobre o assunto em epígrafe, Araújo (2017) ilustra: [...] nosso ordenamento jurídico ainda tem muito a evoluir quando se trata de crimes virtuais por violação da intimidade, pois, faltam leis específicas, faltam delegacias especializadas e acabam causando um certo pensamento de impunidade aos infratores, pois respondem apenas pelos crimes contra a honra tipificados nos artigos 139 e 140 do Código Penal e com pena aumentada de 1/3 pelo artigo 141, inciso III do mesmo código, que seria por meio que facilite a divulgação, e uma indenização pelo código civil [...]. Todavia, mesmo diante do aumento de pena, para o direito penal, esses crimes são considerados de menor potencial ofensivo com fulcro no artigo 61, da lei nº 9.099/95: Art. 61 -Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (BRASIL, 1995). Deste modo, muitas vezes ao agressor será imputada uma medida restritiva de direitos como; pagar serviço comunitário ou pagamento de cesta básica. Em consequência disso, gerando um sentimento de impunidade abrindo as portas para o cometimento de um novo ilícito. 44 4.3.1 Aplicação do Código Penal à conduta estudada Mesmo sendo uma conduta que atinge as vítimas de forma severa e muitas vezes permanente, a pornografia de vingança ainda não possui uma legislação própria que regule e defina suas particularidades, de modo que se faça possível imputar ao individuo que perpetrou tal ato a sanção mais adequada. Para Oliveira e Paulino (texto digital): Atualmente, no Brasil, a pornografia de vingança é tratada como crime contra a honra e, por isso, acaba muitas vezes resultando em penas como indenizações ou substitutivas. Por um lado, há quem defenda que essa punição deveria ser mais severa para aqueles que cometem crimes na internet. Por outro, é também defendido que além das penas convencionais, acrescentassem punições alternativas, como medidas socioeducativas; já que tais indivíduos, em geral, não são pessoas que apresentem perigo a sociedade e que precisem ter sua liberdade privada. Os referidos autores Oliveira e Paulino (texto digital), no momento em que analisam a o tema deparam-se com a falta de legislação específica e asseveram: Por não existir uma lei específica para regular tal crime, são usadas outras leis que procuram punir quem divulgou as imagens. Geralmente, como já supracitado, a pornografia de vingança é encaixada nos crimes contra a honra, previstos no Código Penal, os quais punem quem atribuir a outrem fato ofensivo [...]. O artigo 139 do Código Penal prevê o crime de Difamação, este ocorre ao imputar fato ofensivo à reputação de outrem, isto é, quando o sujeito ativo imputa à vítima fato ofensivo à sua honra (BRASIL, 1940). Conforme Capez (2012, p. 305) a difamação é “um crime que afronta a honra objetiva”, isto é, a reputação, a boa fama do indivíduo em meio a sociedade. Nesses casos o infrator pode ser apenado com detenção de três meses a um ano, e multa. Consonante Araújo (2017, texto digital): Quando alguém é posto em tal situação, a sociedade julga como pessoas sem caráter, pessoas sujas e que merecem serem humilhadas, principalmente as mulheres. Expressões como: “aquela mulher tem fotos nuas na internet, não merece respeito”, ou quando postam a foto na rede com legendas ofensivas no Facebook, Twitter e em outras redes sociais, é o 45 que mais se vê nos tempos atuais, por um simples erro ou por confiar demais no parceiro, podem ser julgadas e torturadas para o resto da vida. Momentoso ressaltar que, um acontecimento histórico, ou a simples atribuição de qualidade negativa, mesmo que diga respeito à conduta socialmente tida como ofensiva a reputação caracteriza injúria (ARAÚJO, 2017). A injúria é crime acautelado pelo Código Penal em seu artigo 140, este ocorre quando alguém ofende a dignidade ou o decoro de outrem, de maneira oposta ao delito previamente citado, não é necessária a imputação de um fato, mas sim a atribuição de uma qualidade negativa. Consonante Capez (2012), verifica-se o crime de injúria ao ocorrer uma afronta à honra subjetiva da vítima, esta é composta pelo sentimento próprio de cada indivíduo sobre si mesmo, importando em atributos morais, intelectuais e físicos. Nestes casos o infrator ser submetido à detenção de um a seis meses, ou multa. Araújo (2017), ao analisar o tema destaca: O que mais acontece, quando as fotos entram em circulação, particularmente as mulheres, são reconhecidas facilmente e recebendo termos esdrúxulos como: “vagabunda, piranha, prostituta, mulher fácil” ou coisas ainda piores, vivemos em uma sociedade machista que julga o sexo como algo imoral. Por se tratar de uma conduta de proporções gigantescas, onde a vítima muitas vezes é exposta a uma quantidade imensurável de pessoas, ao agressor pode ser imputado um aditamento de pena de 1/3 (um terço) caso o crime ocorra na presença de várias pessoas ou por meio que facilite a divulgação da calunia, difamação e injúria, previsto no artigo 141 do Código Penal (BRASIL, 1940). 4.4 Diferença com a Lei “Carolina Dieckmann” Antes do ano de 2012, a inexistência de uma legislação própria tornava complexa a apuração dos crimes cometidos no ambiente virtual. Visto que, a legislação vigente até o momento era voltada aos crimes de forma geral, pouco se importando com o meio utilizado para sua execução. Assim, sob a não 46 individualidade da legislação, difícil era a identificação dos agressores, bem como a aquisição de provas capazes de gerar uma condenação criminal. Segundo Silveira (2015, texto digital), em maio de 2012 a divulgação na rede mundial e computadores de imagens intimas da atriz Carolina Dieckmann foi notícia na mídia. [...] o que causou uma grande comoção social, o que abriu campo para a edição da Lei n. 12.737, de 30/11/2012, publicada no DOU de 03/12/2012, com vacatio legis de 120 (cento e vinte) dias, apelidada de “Lei Carolina Dieckmann”, que, dentre outras providências, dispôs sobre a tipificação criminal dos delitos informáticos, introduzindo os arts. 154-A, 154-B, e alterando os arts. 266 e 298, todos do Código Penal (SILVEIRA, 2015, texto digital). Relevante enfatizar o art. 154-A do Código Penal, que trouxe para o ordenamento jurídico o crime intitulado de “Invasão de Dispositivo Informático”. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. A partir da leitura do texto legal, extrai-se que o intento deste é, segundo Junior (2012, texto digital), criminalizar “a conduta do agente que invade, driblando os mecanismos de segurança, e obtém, adultera ou destrói a privacidade digital alheia, bem como a instalação de vulnerabilidades para obtenção de vantagem ilícita”. O autor, ainda observa a necessidade da existência de um mecanismo de segurança no aparelho, visto que, a legislação subordina a ocorrência do crime à violação deste, sem a devida autorização (JUNIOR, 2012). Segundo Buzzi (2015), a Lei 12.737/2012 também abarca ocorrências de pornografia não consentida, onde as vítimas após a usurpação por hackers em seus computadores, celulares, ou qualquer outro dispositivo informático, tem essas informações disseminadas na rede. Já o Projeto de Lei 5.555/2013, idealizado pelo deputado federal João Arruda (PMDB/PR) em comum com o deputado estadual Gilberto Martin (PMDB), modifica a 47 Lei Maria da Penha, e estabelece meios que possibilitam o enfrentamento às condutas danosas a mulher na internet ou qualquer outro meio popularização de informações (JUNIOR, 2015). O referido projeto remodela a Lei 11.340/06 em seu artigo 3º, ainda anexa o inciso IV ao artigo 7º, e do parágrafo 5º ao artigo 22, que sucederiam a vigorar com a seguinte redação: Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à comunicação, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Art. 7º. [...]. VI – violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade (BRASIL, 2013). Diante da leitura de trecho do Projeto de Lei estudado, é possível afirmar que a intenção do legislador é proteger a mulher em uma dimensão da violência doméstica que até o momento não foi versado por nenhuma legislação. Diferentemente da Lei “Carolina Dieckmannn”, a proposta visa punir a violação da intimidade da mulher perante a divulgação em ambiente virtual de fotos, vídeos, áudios, imagens, dados e informações íntimas da mulher sem a sua expressa autorização. 4.5 Proposta para apuração e punição da “pornografia de vingança” A revolução das redes sociais, juntamente com a modernização e fácil aquisição de equipamentos aptos a receber e enviar informações com extrema velocidade fez que uma nova conduta criminosa, hoje conhecida por pornografia de vingança, chamasse a atenção da sociedade. Em resposta surgiram várias propostas a fim de tipificar essa conduta, que só vem aumentando nos últimos anos. Segundo Araújo (2017), no ano de 2013, o Senador Romário apresentou o Projeto de Lei nº 6630/13 que visa findar ou ao menos reduzir a incidência dessa conduta. Abaixo uma breve síntese do projeto de lei. 48 O Projeto de lei acrescenta ao Código Penal o artigo 216-B, tipificando a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima. O artigo 1º criminaliza a divulgação de fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima, podendo o autor ser condenado a reclusão de um a três anos, e multa. O paragrafo primeiro do referido artigo ainda prevê a mesma pena a quem realizar montagens ou qualquer artificio com imagens de pessoas (BRASIL, 2013). Para Araújo (2017, texto digital): No parágrafo segundo do artigo 1º contém aumento de 1/3 (um terço) caso o crime seja cometido com o fim de vingança ou humilhação, ou por agente que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoro com a vítima com ou sem habitualidade, ou seja, é onde é abordado a Pornografia da Vingança, pois houve laços entre as partes, sendo assim uma forma de aumento de pena para o projeto de lei comentado. No parágrafo terceiro prevê o aumento de pena da metade se o crime for cometido contra vitima menos de 18 (dezoito) anos ou pessoa com deficiência. No parágrafo terceiro prevê sobre o pagamento de indenização para a vítima pelos danos causados, incluindo mudança de domicilio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e a perda de emprego, contudo no parágrafo quarto, ele não exclui o direito de a vítima pleitear a reparação cível por outras perdas e danos matérias e morais (ARAÙJO, 2017, texto digital). O autor prossegue ao evidenciar uma parte um tanto polêmica prevista no quinto paragrafo do projeto de lei. O texto esclarece que “após a sentença penal condenatória, o juiz deverá aplicar também pena impeditiva de acesso às redes sociais ou de serviços de e-mails e mensagens eletrônicas pelo prazo de até dois anos, de acordo com a gravidade da conduta” (ARAÚZO, 2017, texto digital). A polêmica repousa na dificuldade de fiscalização, como também na duvida da viabilidade de aplicação para os juízes. Uma vez que, de acordo com o artigo 43 do Código Penal que aponta as penas restritivas de direitos, é possível aplicar o inciso V, que trata da interdição temporária de direitos, que por ter uma interpretação bastante ampla, é capaz de repelir uma nova conduta delitiva do agente. Em consulta ao site da Câmara dos Deputados, foi possível averiguar que atualmente a proposta legislativa encontra-se apensada ao Projeto de Lei 5555/2013 que será relacionada em seguida. 49 4.5.1 Criminalização da pornografia da vingança: Aplicação da Lei Maria da Penha nos casos de divulgação de material íntimo pelos meios digitais Após um contexto histórico de dominação do homem sobre a independência e sexualidade da mulher, o fenômeno da pornografia de vingança, revela uma nova forma de subjugação do gênero feminino. Refere-se a uma prática onde o homem, por consequência da coabitação e confiança obtém material de cunho íntimo da parceira, posteriormente, muitas vezes motivado pelo fim do relacionamento, expõe o conteúdo de forma não autorizada na internet, objetivando manchar a imagem da vítima. De acordo com Junior (2015, texto digital): A pornografia de vingança é um crime de natureza virtual em ascensão no Brasil, com muitas ocorrências espalhadas por todos os Estados. Infelizmente, a conduta não é adequadamente reprimida, restando o agressor praticamente impune, tendo em vista é penalizado de forma branda. Atualmente tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado alguns projetos de lei que visam punir a pornografia de vingança. Tais propostas tem o intuito de tipificar esta conduta, obrigando ainda o agressor a indenizar a vítima quanto às despesas consequentes à acompanhamento médico, mudança de domicílio, desemprego, etc. (BUZZI, 2015). Elaborado pelo deputado federal João Arruda, associado ao deputado estadual Gilberto Martin, o Projeto de Lei 5.555/2013, visa modificar a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, criando mecanismos capazes de combater as condutas ofensivas frente à mulher na internet ou em outro meio de divulgação da informação. A proposta altera o artigo 3º da Lei Maria da Penha e ainda, acrescenta o inciso IV ao artigo 7º, e o parágrafo 5º ao artigo 22, que passariam a vigorar com a seguinte redação: Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à comunicação, à moradia, ao acesso à justiça, ao 50 esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Art. 7º [...] [...] VI – violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Art. 22 [...] [...] § 5º Na hipótese de aplicação do inciso VI do artigo 7º desta Lei, o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de propagação de informação, que remova, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher. Marco im